A CBF fatura alto com a seleção brasileira – eis de onde vem e para onde vai o dinheiro
A entidade brasileira é a quinta maior do mundo em faturamento, apoiada sobretudo em patrocínios. O destino da verba dita a sua capacidade de investimento no futebol
RODRIGO CAPELO
A máquina de fazer dinheiro da confederação azul e amarela se apoia principalmente na área comercial – em tempo, as três campanhas publicitárias mencionadas no parágrafo anterior pertencem respectivamente a Vivo, Itaú e Ambev, todas patrocinadoras da entidade. Dos R$ 545 milhões arrecadados pela CBF no ano passado, R$ 353 milhões, ou 65% do total, tiveram origem nos patrocínios. Não existe time de futebol que se aproxime desta quantia no Brasil. O Palmeiras conseguiu R$ 131 milhões de uma patrocinadora que ambiciona se tornar presidente alviverde. O Flamengo fez R$ 90 milhões, mesmo tendo vendido todos os espaços da camisa rubro-negra por valores que adversários nem beiram.
A CBF fatura alto com patrocínio porque combina a assombrosa força comercial da seleção, famosa e admirada internacionalmente, com sua capacidade de lisonjear patrocinadores. Existe um trabalho desconhecido pelo torcedor comum que o departamento comercial da confederação faz muito bem: levar o patrocinador para assistir aos jogos da seleção em camarotes, entregar a oportunidade ideal para que a empresa leve seus clientes e faça negócios quase na beira do campo. A hospitalidade, como o mercado chama este tipo de trabalho, reforça contrapartidas como a estampa na camisa de treino, o acesso a comissão técnica e jogadores, o status de patrocinador oficial (que pode ser usado em propagandas na tevê).
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O faturamento da entidade vai bem até quando comparado ao de outras federações nacionais. A CBF tem a quinta maior arrecadação do mundo, quando comparada às "irmãs" de outros países, mesmo com a desvantajosa conversão de quatro para um entre euros e reais. Arrecada mais do que a espanhola RFEF, mais do que a holandesa KNVB, mais do que a portuguesa FPF. Esta é uma lista que funciona como uma espécie de termômetro da força de cada seleção – do potencial comercial e da capacidade da federação de realizá-lo. A CBF consegue superar a desvantagem da moeda brasileira e jogar de igual para igual com estrangeiras, façanha que time de futebol brasileiro nenhum consegue no paralelo com gigantes europeus.
A lista ainda tem particularidades que jogam a favor da CBF na comparação. A inglesa Football Association (FA), líder de faturamento, tem entre suas fontes de receita o estádio Wembley. O equipamento pôs R$ 240 milhões em sua conta bancária no exercício de 2016/2017. É o tipo de ativo que a CBF não conta. O jogo só estaria equilibrado para esta comparação se a entidade brasileira decidisse assumir a operação do Maracanã e fizesse dinheiro com o estádio, por exemplo. Além disso, os ingleses faturam (e gastam) em libras, cuja conversão para o real dá cinco para um. Tudo isso para apontar que a CBF não deve nada mesmo para federações mais ricas que ela. A diferença para a italiana FIGC e a francesa FFF tampouco parece grande se lembrarmos, de novo, que euro vale mais que real.
Os fatos e números encadeados até aqui clareiam dois pontos: como a CBF arrecada e qual a sua posição em paralelo às finanças de entidades estrangeiras. Falta saber para onde vai esse dinheiro. É aí que o funcionamento do mercado do futebol fica mais nítido para o torcedor. Em geral, todas as federações nacionais têm negócios parecidos. Elas têm o monopólio sobre o futebol dentro de seus países, elas faturam alto com suas seleções nacionais, mas elas não têm quase nenhum gasto relevante. Os estádios são comumente construídos com dinheiro público, ou no máximo de clubes, mas nunca com verbas de federações. Os jogadores são convocados para partidas das seleções, mas seus salários são pagos pelos times que lhes empregam. Descontada alguma despesa com arbitragem, todo o dinheiro das federações nacionais sobra. Baita negócio.
Antes de entrar propriamente nas despesas, vale treinar um exercício lógico sobre o que é desejável na aplicação da fortuna gerada pela seleção brasileira. A estrutura federativa pode gerar bons resultados se o dinheiro proporcionado pelo escrete for direcionado ao desenvolvimento do futebol, sobretudo daquelas pontas mais fracas na cadeia, como futebol feminino, futebol de base e clubes que não detêm grande potencial comercial. Numa linguagem corporativa, o futebol é a atividade-fim. Por outro lado, é correto esperar que a menor quantia possível seja gasta com custos administrativos, como funcionários de federações, manutenção de prédios, serviços prestados por terceiros. Essa estrutura burocrática existe como atividade-meio para que o futebol exista.
As despesas da CBF evidenciam as escolhas que seus dirigentes fizeram até aqui. De todo o seu gasto em 2017, cerca de R$ 530 milhões, a entidade consumiu 34% consigo mesma em sua administração. Aí estão os salários de seus funcionários, a manutenção do prédio luxuoso que possui na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, e os serviços de terceiros contratados pela confederação na temporada. Outros 5% foram encaminhados para federações estaduais, sob o pretexto de que esses recursos seriam usados para o desenvolvimento do futebol em seus estados, porém sem que se possa negar o viés político do repasse. São as federações que elegem o presidente da confederação. Esta é a parte que se identifica melhor com o conceito de "atividade-meio".
A seleção brasileira demanda 18% de toda a despesa, grana usada para bancar suas viagens, hospedagens e demais custos enquanto excursiona. As seleções de base e feminina ficam com 5%, enquanto projetos de desenvolvimento da própria CBF e de infraestrutura, como a manutenção da Granja Comary, despendem 9%. É nessas linhas que está o futebol de fato. Assim como nas que evidenciam investimentos da confederação em competições, correspondentes por 17% do total. A entidade financia custos dos clubes que disputam as Séries D, C e B do Campeonato Brasileiro, dos regionais Copa do Nordeste e Copa Verde e do Brasileirão feminino. Aumentados pela direção da CBF nas temporadas mais recentes, esses custos são os que mais se aproximam daquela distribuição ideal: uma seleção forte a sustentar investimentos no elo mais fraco da cadeia.
Mesmo com tanta despesa, sobra muito dinheiro. Mais útil do que o superávit descrito em seu balanço financeiro, o melhor indicador econômico disso é o montante que a CBF possui em caixa ou aplicações financeiras. A cifra era de R$ 245 milhões ao término de 2016 e saltou para R$ 361 milhões no fim de 2017. A diferença entre um número e outro revela o dinheiro excedente na temporada, aquele que foi arrecadado graças à força comercial da seleção brasileira e que não foi usado nem com fins administrativos, nem com o desenvolvimento do futebol. Este é um fato comum a todas as CBFs e até à Fifa. A cartolagem das federações se aproveita de um modelo de negócio extremamente vantajoso para fazer poupanças que ficam lá, guardadas, à espera de alguma crise econômica que nunca chega. É neste ponto que se tem certeza: pelo desenvolvimento do futebol, dá para fazer mais com esse dinheiro.
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