“Caiado se preparou para ganhar a eleição, mas não para governar”
Talles Barreto não chega a ser uma voz que clama no deserto da Assembleia Legislativa. Mas, em uma casa que ensaia alguma independência, mas que já caminha para acomodar-se junto ao Palácio das Esmeraldas, segue sendo um dos mais críticos ao governador Ronaldo Caiado (DEM).
Barreto defende o legado dos governos anteriores, do qual fez parte, mas, na entrevista que segue abaixo, a autocrítica ao próprio partido é menos rigorosa que os ataques que faz à atual gestão. “Estou na oposição e tenho de fazer oposição”, justifica. Entre outros assuntos tratados com a equipe do Jornal Opção, o deputado tucano também deixa escapar o desejo de disputar a eleição de prefeito em Goiânia.
Euler de França Belém – O processo eleitoral do PSDB começou com quatro candidatos: Jardel Sebba (ex-deputado), Lêda Borges (deputada estadual), Carlão da Fox (prefeito de Goianira) e o sr. Esta semana, a situação se afunilou em torno do nome do prefeito de Trindade, Jânio Darrot, que não era candidato. O que houve para que ocorresse essa mudança?
Todos os candidatos, com seu perfil, têm boas intenções. A minha é de inovar o partido, que precisa reavaliar o projeto de 2018. Perdemos as eleições, isso foi um recado. Não tenho dúvida de que um dos maiores erros do PSDB foi tomar decisões de cima para baixo. Faltou ouvir as bases, os prefeitos. Também sou um dos responsáveis por esse processo.
Coloquei-me como candidato à presidência do partido com foco nessa inovação e para valorizar o legado do período do Tempo Novo, sob o comando do governador Marconi [Perillo]. Ninguém vai destruir as pontes e rodovias que construímos, as bolsas universitárias que transformaram a vida de muita gente, o melhor autódromo do Brasil, o Centro de Excelência. O PIB [Produto Interno Bruto] que, em 1998, era R$ 20 bilhões hoje é de mais de R$ 240 bilhões. Isso é história, serviço prestado e transformação.
O Estado estava em 18º no ranking nacional [de competitividade] e hoje é o 9º. Foram criados os polos industriais de Anápolis e Aparecida de Goiânia, que transformaram essas regiões. O Tempo Novo não era de uma pessoa, mas de um grupo político. É importante valorizar esse legado, mas é preciso saber o que o partido ainda pode fazer por Goiás.
Quando se perde uma eleição, é natural ocorrer uma fragmentação do partido, pessoas saírem. Então, temos de buscar um novo processo. O PSDB vai mudar nacionalmente, com o [João] Dória [prefeito de São Paulo] ou o Bruno Araújo [senador de Pernambuco] à frente. Para 2022, teremos candidatos com potencial até mesmo para a Presidência da República.
O PSDB tem uma história. Mesmo com a reformulação do partido, talvez com um novo nome, é um grupo que ajudou a mudar o Brasil e Goiás.
Portanto, tentamos chegar a um consenso, que ainda acho possível. O Jânio Darrot mostrou ser um nome viável. Só que ainda não foi possível chegar a um consenso e ainda tivemos o surgimento de um novo candidato, o deputado Célio Silveira, que é o único deputado federal que temos no partido, o maior cargo que temos hoje.
Não tenho dúvida de que o Jânio Darrot, pelo prefeito que é, um empresário de sucesso, uma pessoa de postura ética ímpar. Mas não é por isso que iríamos impô-lo. Ao contrário, fico feliz que, mesmo com todo o desgaste, o partido ainda consegue ter grandes nomes para disputar a presidência. Foram registradas duas chapas [de Jânio Darrot e de Carlão da Fox], mas estamos fazendo todo o esforço para unificá-la.
O partido não pode ter uma disputa interna, senão entrará em uma fragmentação ainda maior. Por isso estamos buscando a unidade, para que tenhamos um presidente que trabalhe de uma nova forma, para fortalecer o PSDB para 2020 e 2022.
“Nós perdemos as eleiçoes em primeiro turno. O recado foi dado e temos de fazer quais foram nossos erros”
Rodrigo Hirose – Nacionalmente, o PSDB enfrenta uma disputa entre os chamados cabeças-brancas e os cabeças-pretas, que não é necessariamente uma questão de idade, mas de caras e ideias novas. Aqui em Goiás a discussão é a mesma?
Não exatamente, mas o PSDB precisa de uma renovação. Aqui em Goiás, nós perdemos a eleição no primeiro turno. Tem algo de errado. O recado foi dado e temos de fazer essa avaliação, descobrir quais foram nossos erros. Se não tivesse havido erros, não teríamos perdido. Em São Paulo, o PSDB ganha as eleições há mais de 30 anos.
O legado do partido deve ser preservado, mas ao mesmo tempo, exige-se um novo perfil. Quem quiser sair do partido, que saia. E a conversa com o Jânio Darrot é nesse sentido.
Muitos acham que o Vecci não fez um bom mandato como presidente do PSDB, mas eu discordo. Ele trabalhou muito pelo PSDB, melhorou muito a organização do partido e foi importantíssimo nas políticas públicas do Governo. Mas, na presidência de um partido, há erros e acertos. O que precisa ser feito é diminuir os erros e ampliar os acertos.
Para não ter a disputa interna, continuaremos conversando para construir o consenso.
Euler de França Belém – Quem ouve o sr. falando pode ficar com a impressão de que o partido fez tudo certo e que quem errou foi o eleitor. O partido não fará uma autocrítica?
Essa autocrítica, estamos fazendo. Erramos nas decisões de cima para baixo, na escolha das parcerias. Erramos e muito.
Euler de França Belém – O ex-governador José Eliton foi uma escolha errada para a disputa da reeleição?
Acho que sim. Naquele momento, ele não tinha o perfil para ganhar as eleições. Se o partido tivesse ouvido as bases e escolhido outro nome, talvez tivéssemos condições de ao menos disputar com mais força.
Euler de França Belém – Mas ele, o José Eliton, não representava esse perfil do não político?
Havia outras opções. O Otavinho [Otávio Lage de Siqueira Filho, ex-prefeito de Goianésia], por exemplo, era um nome novo que poderia ter sido trabalhado.
A perda do PP e da deputada Flávia Morais foi outro erro muito grande. Insisti muito em ter o partido conosco.
Euler de França Belém – E por que o PSDB perdeu o PP?
Porque não quis dar o espaço que o PP exigiu na chapa. Historicamente o PP sempre esteve conosco. Outro erro foi a briga do Vilmar Rocha para a suplência do Marconi no Senado.
“Não vou falar em soberba por parte do PSDB, mas criou-se um excesso de confiança”
Euler de França Belém – O tempo em que o PSDB ficou no poder fez com que o partido passasse a usar uma viseira que o impediu de enxergar a realidade?
Acredito que sim. Não vou falar em soberba, que é uma palavra muito agressiva, mas criou-se um excesso de confiança.
Euler de França Belém – A impressão que se tem é que o PSDB avaliou que elegeu um poste, o Alcides Rodrigues, e achou que poderia eleger uma pedra, o José Eliton.
É mais ou menos isso, mas cada um com características diferentes. O José Eliton é um homem do bem e tem sua história, mas tinha dificuldade em interagir [com o eleitor]. O Alcides interagia. Quando se vai para um processo eleitoral, é preciso se popularizar.
Euler de França Belém – O governador Ronaldo Caiado está tentando fazer um ajuste fiscal. Como o sr. o avalia?
Até agora ele não apresentou nada. A única coisa que chegou à Assembleia Legislativa foi o aumento porcentual do Protege [Fundo formado que recebe aportes oriundos dos incentivos fiscais]. Foi uma medida tomada sem discussão com o setor produtivo, que, não fosse uma ação do PSDB, iria aumentar os encargos sobre produtos como o milho e outros grãos.
Todos os projetos do Governo que chegam na Casa são impensados, sem estudos com o devido zelo. As medidas são questionadas e ele muda. Até agora, não teve coragem de enviar a reforma administrativa – tomara que essa demora seja porque estão estudando o melhor projeto.
O Governo criou cinco secretarias e extinguiram as secretarias extraordinárias. Mas não criou orçamento para as novas pastas e teve de enviar pedido de suplementação de R$ 300 mil para cada uma. Esse valor é uma brincadeira, em poucos dias terão de mandar outro pedido de suplementação.
O Governo fica fazendo colchas de retalhos. A suplementação para pagar a Educação foi feita quatro vezes. Houve o período de transição para fazer os estudos necessários e não chegar [despreparado] como chegou.
O Caiado fez uma opção de não pagar [a folha do funcionalismo] de dezembro e pagar janeiro. Se quisesse, poderia ter incluído no orçamento e feito o pagamento. Não haveria problema nenhum. Ele pensou que assumiria só o que viria após a posse, mas ele assume o Estado inteiro.
O governador não quis assumir responsabilidades que são do Estado.
“Foi um equívoco do governador não pagar dezembro, mandar anotar contas do funcionalismo na caderneta, mandar coraçãozinho para as pessoas que protestavam”
Rafael Oliveira – Foi uma opção política não pagar dezembro?
Claramente. Foi um equívoco não pagar dezembro, mandar anotar na caderneta a conta de quem não recebeu, mandar coraçãozinho para as pessoas. O Caiado se planejou para ganhar o Governo, mas não para governar o Estado. Está batendo cabeça.
Rodrigo Hirose – O sr. acha que o governador não conseguiu encaixar quadros técnicos capazes de elaborar esses projetos antes de enviá-los à Assembleia?
É começo de Governo. Mas, por exemplo, o projeto que retirava a AGR [Agência Goiana de Regulação] da CDTC [Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos] não havia passado pelo Gabinete Civil. A matéria já estava na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] e foi retirada. Houve algo que não foi planejado.
O Caiado é uma pessoa honesta, mas tem de se organizar [para governar]. O Governo está perdido.
Os secretários de fora não têm interação [com os deputados]. Cada secretário trouxe seis, oito, dez [auxiliares de fora]. Eles não tiveram responsabilidade na eleição do governador e não chegam com espírito coletivo, mas apenas com intensão de fazer o melhor para sua pasta. No Governo, todos têm de se dedicar pelo conjunto.
Euler de França Belém – Para ser justo, o sr. percebe algum secretário que está deslanchando?
De forma alguma.
Euler de França Belém – O secretário de Saúde, Ismael Alexandrino Júnior, está indo bem?
Só se for no Instagram dele. O Materno-Infantil está sendo matéria [jornalística] em nível nacional. Não estou falando que [Caiado] pegou o Estado bem, mas Governo é superação diária. Consegue-se superar as dificuldades trabalhando. O Governo fica olhando demais para o retrovisor e batendo o tempo todo. Tem de olhar para frente.
Rodrigo Hirose – O sr. diz que os secretários que vieram de outros Estados não interagem com os políticos daqui. Mas, como os secretários “caseiros” estão se comportando nesse sentido?
O grande problema talvez seja do comandante, que tem de se organizar, definir prioridade. Em quatro meses de Governo, não há referência em nenhuma pasta.
O Governo tentou acabar com o Jovem Cidadão, fez uma nova licitação e a mesma empresa que prestava o serviço foi a vencedora, com valores praticamente iguais. Isso tudo após causar um trauma nas famílias dos jovens do programa.
Rodrigo Hirose – O Governo renegociou com a Organização Social (OS) que administra o Hospital Geral de Goiânia (HGG) por um valor abaixo do que era pago. Essa não é uma medida positiva?
Todo Governo tem de fazer ajuste e isso é correto, mas tem de ser de forma planejada. No caso do Pró-Cerrado, deveria fazer a licitação sem afetar a continuidade.
Quando o governador Marconi assumiu no primeiro mandato, sabia que uma grande referência do Governo Maguito Vilela era a entrega de cestas básicas. Ele evoluiu, criou um cartão que levou dinheiro para o interior. Isso é planejamento.
Nesse Governo, não vemos qualquer coisa planejada. Não sei o Caiado vai aprender a governar governando.
Euler de Franças Belém – A Renda Cidadã e a Bolsa Universitária estão mantidas?
A Renda Cidadã não está sendo pago, inclusive o cadastro está sendo refeito.
Quanto à Bolsa Universitária, o Governo passado deixou alguns valores que não foram pagos e o atual Governo está tentando acertá-los. Essa é outra matéria que poderia ter sido alvo de estudos durante a transição, para que fossem feitas mudanças que melhorassem o programa.
Era isso que a população esperava: ações evolutivas. Não há problema de modificar os programas, deixar sua marca. O PMDB deixou um legado, o PSDB também. O Caiado tem de construir o seu.
É muito cedo, mas o começo do Governo foi muito ruim, está muito aquém do esperado.
Euler de Franças Belém – A UEG (Universidade Estadual de Goiás) corre riscos?
A UEG não tem orçamento suficiente para se manter. Em virtude de uma lei anterior, mas que nunca foi utilizada, o Governo atual contingenciou os recursos da universidade, que tem apenas R$ 200 milhões para o ano, o que não é suficiente. O Governo precisa decidir qual política terá para a UEG.
A política pública é o Governo quem define, ele ganhou a eleição para isso. Há cursos em andamento, não dá para cortar recursos dessa forma.
Rodrigo Hirose – O sr. cobra muito planejamento do governo Ronaldo Caiado, mas ele alega que pegou um Estado quebrado. É possível planejar sem ter recursos?
Engraçado é que o grupo do Caiado falava em déficit de R$ 6 bilhões, depois reduziram para R$ 5 bilhões, agora a secretária [de Economia, Cristiane Schimidt] fala em R$ 3,2 bilhões. A arrecadação de janeiro de 2019 chegou a mais de R$ 2 bilhões. Caiado saiu das eleições com um capital político muito grande e poderia ter proposto as adequações necessárias para organizar o Governo.
Ele tinha convicção que iria obter o Regime de Recuperação Fiscal e se esqueceu das outras ações. É aceitável, por exemplo, a Goinfra não ter diretor de manutenção até hoje? É um período chuvoso, as estradas estragam. Existe um fundo de manutenção das rodovias, com recursos do Detran.
Euler de Franças Belém – Mas a Goinfra está fazendo operações tapa-buracos.
Começou agora, já no fim do período chuvoso.
Euler de França Belém – No Governo Marconi também havia reclamação de rodovias ruins, a oposição mostrava.
Na campanha o Caiado nem falou sobre rodovias, porque elas estavam em bom estado de conservação. Houve momento em que o Governo passado se perdeu, até por falta de recursos, mas agora está faltando a manutenção básica do que se tem.
Euler de França Belém – Qual o conteúdo da reforma administrativa?
Um corte linear de 20% em pessoal, cargos de comissão, manutenção. Ele terá dificuldade [de aprovar].
Rafael Oliveira – O sr. disse que o Governo está batendo cabeça. É por isso que está tendo tanta dificuldade para montar a sua base? Os deputados temem o desgaste?
O melhor momento do Governo foi entre o dia 7 de outubro e 31 de dezembro. Nesse período, a expectativa era maior que o poder.
Euler de França Belém – O sr. não acha que está exagerando nas críticas e que o Caiado está buscando fazer um Governo austero?
Quando havia apenas a expectativa sobre o Governo, o Caiado conseguiu aprovar o que quis na Assembleia. Depois que ele assumiu, as dificuldades vieram. As pessoas que andaram com ele estão reclamando, como os deputados federais Delegado Waldir (PSL) e José Nelto (Podemos), o senador Jorge Kajuru (PSB), os deputados estaduais Major Araújo (PRP), Iso Moreira (DEM) e Cláudio Meirelles (PTC). São parlamentares que estiveram com ele no processo eleitoral.
Rodrigo Hirose – O governador fez uma reunião há poucos dias no Palácio das Esmeraldas para solidificar a base. Foram 28 parlamentares, inclusive um do PSDB e outros que eram oposição.
O PSDB perdeu o Diego Sorgatto, que vai para o Governo. Ele tem nosso carinho, mas fez essa opção. O caminho natural é que ele busque novas alternativas partidárias para disputar a eleição [para prefeito] em Luziânia.
“O PSDB perdeu o Diego Sorgatto, que vai para a base do Governo. O caminho natural é que ele busque novas alternativas partidárias”
Rodrigo Hirose – Em Goiás, os Governos sempre tiveram maioria na Assembleia, formada até com certa facilidade. A tendência é isso se repetir?
Acredito que, para isso, o Governo terá de mudar muito, reavaliar a sua linha de atuação.
Rodrigo Hirose – Mudar a linha de atuação é atender aos pedidos de cargos feitos pelos deputados?
A base é instável, não consolidada. A PEC [Proposta de Emenda Constitucional] que apresentei, alterando a parcela do orçamento impositivo, foi motivada também por muitos deputados da base do governador.
Sei que essa PEC foi utilizada por muitos deputados para fazer pressão sobre o Governo, mas com o 1,2% para o orçamento impositivo, a Assembleia será fortalecida. Esse porcentual será dentro das vinculações constitucionais na Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia. Então, não afeta o Governo e é uma forma de a Assembleia ter uma agenda positiva.
No Brasil inteiro a média do orçamento impositivo é de 1,2%. No Congresso, está sendo criada a imposição da emenda de bancada. Esse é o caminho que devemos tomar.
O orçamento impositivo, apesar de respeitar as emendas parlamentares, também é benéfico para o Governo, porque é ele que vai levar os recursos para os municípios.
Italo Wolff – Os deputados da base alegam que o porcentual de 1,2 não é factível, que o ideal é permanecer em 0,5% ou 0,75%.
Como não se os recursos estarão dentro das vinculações constitucionais e os investimentos são necessários? O Governo já é obrigado a fazer esses gastos. Já falei isso para o próprio governador.
O líder do Governo [Bruno Peixoto, MDB] é que fala isso [que o porcentual não pode ser pago]. É um pensamento retrógrado e pequeno.
Rodrigo Hirose – Do ano passado, quando o sr. era Governo, para cá, o sr. mudou de posição em relação ao orçamento impositivo?
Quando o orçamento impositivo foi discutido, eu não estava na Assembleia, estava no Governo, coordenando o Programa Goiás na Frente. Independentemente disso, não vou ficar olhando para trás, estou discutindo o hoje.
Nós evoluímos, tivemos uma eleição atípica para a presidência da Casa, mostramos força com a união dos parlamentares. Hoje o presidente Lissauer [Vieira] faz uma administração independente, mas como estadista, inclusive atendendo o Governo.
Rafael Oliveira – Há deputados que dizem que o tempo para montar uma base está acabando.
O Governo vai ter uma base, mas que não votará matérias polêmicas, com um possível aumento na alíquota da Previdência, por exemplo.
Rodrigo Hirose – Para usar uma metáfora futebolística, essa base será como aquele lateral veterano, que só sobe para o ataque na boa?
Só vai votar na boa. Quando o Governo enviar matérias polêmicas e difíceis para a Assembleia, muitos parlamentares terão dúvida em relação às suas votações.
Rodrigo Hirose – É mais fácil ou cômodo ser oposição que ser base?
Evidentemente, perdemos eleição e tenho de entender que tivemos ônus e bônus por fazer parte do Governo passado. O Caiado é um homem de bem, estive com ele por 12 anos. As minhas críticas são de gestão. Por isso, digo que o Governo tem de se reavaliar em todas as ações.
Rodrigo Hirose – Como está a relação do Governo com os municípios?
Muito ruim. Até o convênio que o Governo havia anunciado, de parceria [para conservação de rodovias] não deu certo e foi encerrado. A estrutura do Governo é muito grande, tem muitas ações, e o governador Caiado, que foi sempre um grande parlamentar, está muito aquém.
Italo Wolff – O sr., como membro das comissões de Organização dos Municípios e de Obras Públicas. Qual o feedback que o sr. tem tido dos municípios?
Essas comissões praticamente ainda não estão funcionando. Já a comissão de Educação, da qual sou presidente, tem tido sessões ordinárias. Já falamos com a secretária da Educação [Fátima Gavioli], nos reunimos com diretores de colégios, elaboramos as dez medidas para a Educação.
Rodrigo Hirose – E, sendo esse grande parlamentar, tendo construído uma sólida carreira parlamentar, tornando-se conhecido como um homem combativo, não é de se estranhar essa dificuldade em lidar com os deputados?
Até a oposição esperava um Governo mais produtivo, mais forte, com um secretariado melhor. Goiás tem a tradição de exportar cargos e não de importar. Em São Paulo, dois ex-ministros que são de Goiás estão na administração [Alexandre Baldy e Henrique Meirelles]. Goiás é o primeiro lugar no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], as referências são muito fortes.
“Nao tenho dúvida de que quem está ressuscitando a oposição [PSDB] é esse Governo”
Rafael Oliveira – Aparentemente, o Governo tenta a todo o tempo desconstruir o marconismo. Isso não pode ter efeito contrário?
Não tenho dúvida, quem está ressuscitando a oposição é esse Governo.
O que está errado tem de ser corrigido, mas há muita coisa correta feita nas gestões passadas. O atual Governo tem de parar de criticar e trabalhar. Só está olhando para o retrovisor e, se não olhar para a frente, o carro não vai andar.
Os 100 primeiros dias definem o que será o Governo, é o seu cartão de visitas.
Rodrigo Hirose – No Congresso, discute-se a criação da Região Metropolitana do Distrito Federal. Qual a sua posição sobre essa proposta?
Nós não temos recursos e é preciso analisar essa alternativa, que atinge não só Goiás, mas também municípios de Minas Gerais.
O crescimento do Entorno [do Distrito Federal] é muito grande e dificilmente o Governo de Goiás terá condições de dar o suporte necessário. Não tenho um conhecimento tão profundo desse projeto, já que não atuo tanto na região, mas o vejo como uma grande alternativa para ajudar a resolver os problemas locais.
Valparaíso, Águas Lindas e Novo Gama são cidades que explodiram [em número de moradores] em pouco tempo, chega gente de todo o País para servir de mão de obra para o Distrito Federal.
Compare-se com os municípios do Norte de Goiás, como Mara Rosa e Maralina, estão asfaltados, com praças bem cuidadas, esgoto. No Entorno, não tem nada disso, os problemas são bem específicos e a Região Metropolitana pode ser a solução.
Euler de França Belém – O PCC sempre atuou em Goiás, mas atualmente parece que essa presença aumentou. Em Caldas Novas, houve invasão em hospital, com servidores feitos reféns. O que está acontecendo?
O governador, quando assumiu, disse que bandido em Goiás agora terá de fugir. Não funciona dessa forma e nem do dia para a noite. Tivemos um dos melhores secretários de Segurança Pública da história, o ex-governador Irapuan Costa Júnior. Um homem muito firme e correto, tivemos uma gestão importante.
O novo secretário [Rodney Miranda] tem de construir a confiabilidade de seus comandados, especialmente por vir de fora. Boas intenções eu percebo que tem, pois já ocupou esse mesmo cargo no Espírito Santo.
O Governo fica apresentando números, mas isso é muito pouco, essa não é a essência. A questão é muito mais séria em todo o Brasil, nós temos pouca formação [educacional], 14 milhões de desempregados. Esse é um problema social que não se resolve facilmente, não adianta falar que bandido vai fugir do Estado, está cheio de bandido aqui.
A polícia de Goiás e uma das melhores do Brasil, faz um trabalho excepcional. Foram contratados mais de 2 mil novos policiais no Governo passado, mas ainda não é suficiente e o Governo está com dificuldade de contratação.
Euler de França Belém – Como está a situação da Enel? É possível ela perder os incentivos fiscais?
No primeiro leilão para venda da Celg, a licitação foi deserta, porque a empresa tem um grande número de ações trabalhistas. No contrato da privatização, foi criada uma reserva de até 30% do ICMS para pagamento dessas dívidas – em 2018, o valor efetivamente utilizado chegou a 5%. Esse incentivo foi revogado por uma emenda do deputado Paulo César Martins [MDB].
É fato que a Enel não fez os investimentos devidos, há muito problema na oferta de energia. As manutenções são essenciais. A CPI [instalada na Assembleia para apurar a venda da Celg] já averiguou que a empresa não está fazendo esse trabalho. Ela evoluiu no Rio de Janeiro e no Ceará, mas não em Goiás.
Euler de França Belém – O que foi feito com o dinheiro da venda da Celg?
Está publicado no Diário Oficial [do Estado] a aplicação de todos os recursos.
Rodrigo Hirose – A proposta do Governo de diminuir a abrangência do Passe Livre Estudantil, dando esse direito apenas aos estudantes de menor renda, é positiva?
Perde-se o objetivo do programa. Estamos falando de estudantes. Independentemente se estão em algum programa social como o Renda Cidadã, esse valor pode fazer a diferença para muita gente, até para ter uma alimentação melhor em sua escola.
Esse projeto ainda não chegou, mas da forma como foi divulgado, parece que vai cair para 20% o número de estudantes que utilizam.
Euler de França Belém – Mas não é importante diminuir o Estado, gastar menos em algumas questões?
Tenho um perfil mais liberal e poderia até concordar, mas, quando estamos falando de estudantes, temos de lembrar que o Brasil ficou muito para trás até de países como o Chile e a Argentina. É fundamental o Estado contribuir com a Educação, seja por meio do transporte escolar, seja pela Bolsa Universitária.
Qual será o impacto da retirada do Passe Livre em um estudante? O bilhete é usado exclusivamente para estudar, porque tem o horário de validade. O Passe Livre tem sua contribuição na formação dos alunos e não tem tanto impacto em termos de corte de gastos.
Euler de França Belém – O sr. é favorável à privatização da Iquego e da Metrobus?
Da Iquego, completamente. Ela está capengando há muitos anos, o que o Estado quer com isso?
A situação da Metrobus precisa ser estudada. O Estado e a Prefeitura de Goiânia querem entregar a empresa para a iniciativa privada e, no caso do Governo, tirar o corpo fora nas questões que envolvem a tarifa.
Ano passado, a AGR vetou três vezes os valores de aumentos propostos para a passagem. Por que tirar a responsabilidade dela sobre isso? Por que ela está incomodando. O Estado contribui, não cobra ICMS do combustível das empresas, então não pode ficar ausente das discussões sobre o preço das passagens. O que há é interesse do prefeito e do governador de entregar o serviço para os grupos que comandam no setor há muitos anos em Goiânia.
Euler de França Belém – O que está ocorrendo dentro da AGR? Diretores estão sendo retirados?
O Governo atual está buscando de todas as formas retirar as pessoas que foram eleitas no mandato anterior dos conselhos [estaduais]. Nem entro nessa questão, pois se a gestão acha que deve fazer, cabe a ela. Isso vai acabar até na Justiça.
Euler de França Belém – E o sr. é favorável a levar a Saneago para a Bolsa de Valores?
Sim. Acho, inclusive, que os municípios poderiam distribuir a água, ter linhas de créditos para investir em equipamentos, seria mais uma fonte de recursos para eles. A Saneago pode ficar com o fornecimento.
A Saneago é uma estrutura muito grande, há diretores ganhando R$ 50 mil por mês. Nesse ponto, o Estado tem de ser menor.
Euler de França Belém – O sr. é candidato a prefeito de Goiânia?
Sou político, tenho coragem [de ser candidato]. Tenho minha história em Goiânia, apesar da referência no São Patrício e Vale do Araguaia. Minha atuação na Assembleia vai ser fundamental para isso, vou dar minha visão administrativa sobre Goiânia e sobre o atual prefeito.
Não tenho dúvida de que temos time e gente. Estarei com 49 anos e tenho total disposição para enfrentar esse processo eleitoral. Politicamente estou amadurecendo, tendo mais experiência.
Euler de França Belém – A impressão é que Goiânia não precisa de prefeito, porque, se precisasse, teria um e atualmente não tem e a cidade está funcionando no piloto automático. O repórter do Jornal Opção Rafael Oliveira rodou a periferia e ficou surpreso com a quantidade de obras inconclusas. E o prefeito, após fazer caixa nos dois primeiros anos, vai fazer obras que dão visibilidade na classe média. O sr. acha que o eleitor mudou e não acredita mais nisso?
É o estilo populista dele, fazer obras para dizer que é um grande prefeito. Mas o eleitor infelizmente ainda tem memória curta. Hoje a rede pública municipal de Saúde é uma infelicidade. Não tem maternidade, não tem posto de saúde funcionando, um Cais, faltam médicos especialistas.
O Iris já contribuiu muito com Goiás e com Goiânia, a dedicação dele já foi muito forte. A história dele está escrita, fez um papel bacana. Vejo a intenção dele de ser candidato novamente até como certo egoísmo.
Muitos novos líderes estão surgindo, com ideias novas, coragem, disposição e garra, além de requisitos básicos como honestidade. Eles podem ser testados, não podemos viver somente do passado dele [Iris]. Podemos voltar a ter a Goiânia que já tivemos.
Euler de França Belém – O Jardel Sebba acredita em uma grande frente contra o Caiado em 2022, com o MDB, PSDB, PP e o PTB. O sr. acha isso possível?
Não, ainda é muito prematuro fazer uma avaliação assim. Se as regras atuais forem mantidas, surgirão muitos candidatos. Não se pode mais fazer coligações proporcionais e isso praticamente obriga um partido a lançar um candidato majoritário.
E já há algumas definições. O próprio MDB do Daniel Vilela já demonstrou que não quer se aliar ao PSDB, coisa que eu mesmo já defendi.
https://www.jornalopcao.com.br/entrevistas/caiado-se-preparou-para-ganhar-a-eleicao-mas-nao-para-governar-180122/
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