Vítima de violência doméstica por PM deve ser ouvida na Corregedoria, diz circular
Contestada pela delegada da Mulher, nova regra foi estabelecida em circular interna da PM do DF. 'Se houver caracterização do crime, ela vai ser encaminhada para a delegacia', diz coronel.
Por Gabriel Luiz e Luiza Garonce, G1 DF
22/06/2017 11h55 Atualizado 22/06/2017 13h08
Policiais Militares do DF fazem patrulhamento em rua da cidade (Foto: Andre Borges/Agência Brasília )
A Polícia Militar do Distrito Federal emitiu uma circular determinando que todas as vítimas de violência doméstica praticada por um militar e que procurarem a corporação sejam levadas imediatamente à Corregedoria da instituição. Para a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), a nova regra traz prejuízo à vítima, e apenas a Polícia Civil pode investigar casos do tipo.
Segundo o texto da PM, a medida é necessária para registro de ocorrência e tomada das “providências cabidas” por um “delegado de plantão”. Obtido pelo G1, o documento interno é do dia 12 de junho. Desde que passou a valer, no entanto, a nova medida não foi aplicada, informou a Corregedoria.
A delegada-chefe da Deam, Sandra Gomes, criticou a nova regra da Polícia Militar. Ela explicou que, por lei, não cabe à PM investigar crimes de violência contra a mulher. "Se não é crime militar, então não é apurado pela Justiça Militar. Deve ser registrado na Polícia Judiciária [Civil], nos termos da Lei Maria da Penha", declarou.
Documento da PMDF é do dia 12 de junho (Foto: Reprodução)
Questionada, a PM informou que não tem nenhuma intenção de usurpar as investigações da Polícia Civil. A corporação afirmou ainda que o objetivo é criar um padrão de atendimento para todos os casos: até então as mulheres que procuravam denunciar o parceiro eram ouvidas diretamente no batalhão, por exemplo.
"O objetivo não é fazer investigação criminal. A vítima faz parte do caso. Ela precisa ser ouvida para dar início aos procedimentos administrativos, com foco em identificar casos pontuais que envolvam policiais militares”, declarou o coronel Helbert Borges, chefe da comunicação da PM.
Segundo ele, é a Corregedoria quem toma, por exemplo, a decisão de tirar o porte de arma do militar. Também é o setor quem determina que o policial passe por avaliação psicológica, por exemplo.
“Precisamos ter a convicção de que aconteceu. Muitas vezes pode ter denúncia falsa. Agora, se houver caracterização do crime, ela vai ser encaminhada para a delegacia.”
“O que estamos fazendo é criar um protocolo porque antes as vítimas chegavam no quartel e muitas vezes as pessoas no batalhão não tinham tratamento adequado pra isso, não achavam que a denúncia procedia. Aí muitas vezes as vítimas ficavam constrangidas.”
A delegada Sandra Gomes afirma desconhecer casos de mulheres agredidas por companheiros militares que tenham buscado diretamente o batalhão da PM. "Elas costumam vir aqui [na Deam], porque sabem que é aqui é o local de registro e que vamos acolhê-la."
Questionamentos
O G1 questionou o coronel sobre o uso do termo “delegado de plantão”. O coronel afirmou que é um termo interno que está em desuso para tratar de quem apura investigações contra policiais da própria corporação. Não há relação com a Polícia Civil, disse.
Mulher vítima de violência doméstica (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)
Sobre a possibilidade de constrangimento de a mulher ser obrigada a denunciar o agressor a um colega dele, o coronel afirmou que a PM não “tem interesse em acobertar nada” e que o pessoal da Corregedoria tem treinamento específico.
“Esse grupo de cinco oficiais que compõem o plantão 24 horas é composto por mulheres também. [A entrevista] É feita num lugar isolado, para não constranger as vítimas. Tomamos todas as cautelas justamente para evitar constrangimentos”, declarou Borges.
Ainda segundo o coronel, a PM não tem conhecimento sobre todos os casos envolvendo violência praticada por policiais militares. “Apenas sobre os mais graves”, afirmou. “A Polícia Civil não repassa as investigações. Muitas vezes somos surpreendidos. Não existe a comunicação entre as instituições nesse sentido. Principalmente em casos em que há segredo de Justiça.”
O que diz a Deam
Delegada-chefe da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, Sandra Gomes (Foto: Luiza Garonce/G1)
De acordo com a delegada-chefe da Delegacia da Mulher, Sandra Gomes, o procedimento adotado em casos de violência cometida por militares – sejam policiais ou bombeiros – é o mesmo para cidadãos comuns. "Essa mulher é ouvida, são acionadas medidas protetivas de urgência, coletadas as provas possíveis, chamada a perícia quando cabe e abrimos um inquérito."
A única diferença nestes casos, segundo Sandra, é que a Polícia Civil envia uma cópia da ocorrência ao órgão onde o agressor trabalha para que possam ser tomadas medidas administrativas.
"Encaminhamos diretamente para o Comando, seja da PM, da PF ou dos Bombeiros."
Na lei
De acordo com o artigo 10 da Lei Maria da Penha, cabe somente à autoridade polícial tomar as medidas necessárias – de atendimento, medida protetiva e investigação – cuja competência é exclusiva da Polícia Civil, pela Constituição Federal.
Segundo a legislação, a abertura de inquérito cabe à Polícia Militar somente em casos de crime militar – que não incluem aqueles amparados pela Lei Maria da Penha.
FONTE G1
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