Lula ministro: como a nomeação pode ajudar ou atrapalhar mais o governo
Três dias depois de centenas de milhares de pessoas irem às ruas do país pedindo impeachment e um dia após a homologação da bombástica delação premiada do senador Delcídio do Amaral, a presidente Dilma Rousseff informou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - seu mentor e antecessor - será o novo ministro-chefe da Casa Civil.
Acuada por uma série de notícias negativas nas últimas semanas, a petista tenta, com a nomeação do ex-presidente para o cargo mais importante de seu gabinete, salvar seu mandato de um processo de impedimento que parece cada vez mais iminente.
A expectativa é de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), destrave novamente o trâmite do impeachment com o anúncio, até o fim desta semana, da formação da Comissão Especial que emitirá um parecer a favor ou contra a abertura de um procedimento contra Dilma.
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Diante desse cenário, a entrada oficial de Lula tem potencial para causar impactos positivos e negativos para o governo.
De um lado, o ex-presidente agrega ao governo sua enorme capacidade de articulação política e de se comunicar com as classes mais pobres e os movimentos sociais – habilidades fundamentais para enfrentar a crise política, que faltariam em Dilma.
De outro, abre espaço para críticas de que o líder petista esteja buscando proteção contra eventuais decisões do juiz Sergio Moro – responsável por julgar ações da operação Lava Jato na primeira instância. Ao virar ministro, Lula passa a ter foto privilegiado e a ser as acusações contra si avaliadas pelo Supremo Tribunal Federal.
O ex-presidente está sendo investigado por supostamente ter sido beneficiado com recursos desviados da Petrobras – o que ele nega.
Teria contribuído para Lula aceitar o convite o fato de a juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, ter transferido a Moro a decisão sobre o pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público paulista contra o petista, sob a justificativa de que Moro teria mais competência para decidir a questão (entenda melhor abaixo).
O pedido de prisão foi muito criticado por diversos juristas – até mesmo pessoas ligadas à oposição viram falta de fundamento jurídico na peça. Um manifesto de promotores e procuradores, porém, defendeu a medida.
Vale lembrar que pairam ainda sobre Lula e Dilma fortes acusações (que ainda precisam ser investigadas) de suposta interferência na Lava Jato, feitas por Delcídio em sua delação premiada – a homologação do acordo, aliás, teria sido responsável pelo adiamento do anúncio da nomeação do ex-presidente, que teve uma longa reunião com sua sucessora para tratar do assunto nesta terça.
Segundo o senador, o ministro Aloizio Mercadante (Educação), um dos auxiliares mais próximos de Dilma, lhe ofereceu ajuda financeira e interferência junto a ministros do STF em troca de que ele não colaborasse com as investigações. Mercadante afirmou que "jamais falou com qualquer ministro do Supremo sobre o assunto".
Delcídio alega ainda que Dilma mente ao dizer que não sabia de cláusulas prejudiciais à Petrobras na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, e de tentar, ao procurar integrantes do STF e indicar um novo ministro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), interferir em decisões judiciais relacionadas à Lava Jato.
Já Lula é acusado ainda de várias outras coisas – entre elas de comprar o silêncio do publicitário Marcos Valério durante o escândalo do mensalão e de impedir a convocação de depoimentos que poderiam ser prejudiciais a seus filhos na CPI do Carf (que investiga suposta manipulação em decisões para favorecer empresas investigadas por crimes fiscais). Lula, Dilma e Mercadante refutam todas as denúncias.
'Choque político'
Analistas políticos ouvidos pela BBC Brasil no domingo, após os enormes protestos, já apontavam a nomeação de Lula como um possível caminho para o governo se rearticular.
"O Planalto precisa de um choque político, e a única ação mais forte que me parece disponível é a presença do Lula no ministério", disse Rafael Cortez, da Consultoria Tendências.
"A rejeição a Lula já é extremamente elevada entre os apoiadores do impeachment, assumindo ou não um cargo de ministro. Eventualmente, a presença dele pode servir para mobilizar o governismo, que hoje é minoritário e desarticulado porque Dilma não tem uma liderança relevante mesmo dentro de seus apoiadores", acrescentou.
A questão que fica, no entanto, é sobre qual será o poder decisório de Lula dentro do governo – ou seja, se Dilma abrirá mão de sua autoridade.
A vinda da maior liderança petista para dentro da gestão pode sinalizar, por exemplo, uma guinada na política econômica, já que a administração federal vem sendo duramente criticada pelo PT e movimentos sociais ao adotar medidas de ajuste fiscal, com consequente corte de gastos públicos.
A crise econômica é um dos motivos do forte desgaste da presidente – a economia brasileira recuou 3,8% em 2015, segundo o IBGE, e caminha para tombo semelhante neste ano, segundo projeções de economistas.
O cientista político Milton Lahuerta, professor da Unesp, alerta porém que a presença oficial de Lula está longe de ser uma solução.
"Acreditar que vai ser simples, que o Lula indo para lá levará a uma espécie de emulação das forças, que todo mundo vai se unir... isso pode ter sentido para o público interno do PT. Mas, na realidade, não é algo razoável, dadas as dificuldades tanto políticas quanto econômicas", avalia.
“E mais: ele não vai resolver o problema do governo porque, no fundo, vai se explicitar aquilo que a boca pequena, que a população fala, desde sempre: que a Dilma não tem autonomia."
Desgaste e reação
As suspeitas que recaem sobre Lula, segundo as investigações da Lava Jato, são de que empreiteiras que participavam do esquema de corrupção da Petrobras teriam feito pagamentos irregulares a ele por meio de contratações de palestras e doações a seu instituto.
Além disso, os investigadores dizem que essas empresas teriam bancado obras em imóveis do ex-presidente – uma cobertura tríplex no Guarujá e um sítio no interior paulista. Ele nega as acusações e diz que não é dono desses imóveis.
As investigações têm causado enorme desgaste à sua imagem. Por outro lado, o fato de duas ações recentes contra ele terem sido alvo de críticas de juristas deu fôlego ao discurso de que o líder petista estaria sendo perseguido, com intuito de inviabilizar sua possível candidatura presidencial em 2018.
Há dez dias, Lula foi alvo de uma condução coercitiva para depor à Polícia Federal. A medida provocou controvérsias entre juristas – alguns consideraram a medida exagerada, já que o ex-presidente não havia sido previamente convocado a prestar depoimento, enquanto outros a defenderam dizendo tratar-se de um instrumento de investigação previsto na lei.
Simultaneamente, foram feitas ações de busca e apreensão na residência de Lula e em seu instituto. A operação, denominada Aletheia, atingiu também familiares, amigos e funcionários do ex-presidente.
No mesmo dia, Lula deu uma entrevista coletiva com fortes críticas à Lava Jato e à grande imprensa nacional. Três promotores do Ministério Público de São Paulo que também investigam o petista entenderam que o discurso de Lula representou "efetiva afronta ao princípio da garantia da ordem pública" e solicitaram sua prisão preventiva na última quinta-feira.
Ao mesmo tempo, os promotores apresentaram uma denúncia contra Lula, pedindo a abertura de um processo contra ele no caso do tríplex do Guarujá, sob acusação de falsidade ideológica e ocultação de patrimônio, uma modalidade do crime de lavagem de dinheiro.
Na segunda-feira, a juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira disse em sua decisão sobre o caso que a denúncia não apontava a origem dos recursos da suposta lavagem de dinheiro e que isso já está sendo investigado pela Lava Jato. Por isso, afirmou também que não se considerava competente para julgar a questão e que o caso devia ser remetido para a vara de Moro, em Curitiba.
Em entrevista à BBC Brasil, o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles disse que a decisão de Oliveira é muito usual no mundo jurídico, já que uma pessoa não pode ser julgada duas vezes pelo mesmo crime.
Se Moro aceitar a competência, destacou, os pedidos da Promotoria de São Paulo "deixam de existir juridicamente". Se ele recusar, caberá ao Supremo Tribunal de Justiça decidir de quem é a competência.
Outras ameaças
Além do processo de impeachment, outras duas ameaças pairam sobre o mandato de Dilma.
No Congresso, parlamentares começam a articular uma proposta de mudança do regime presidencialista, com objetivo de limitar os poderes da presidente e instaurar uma espécie de semipresidencialismo.
Já o Tribunal Superior Eleitoral analisa ação proposta pelo PSDB pedindo a cassação da presidente e de seu vice, Michel Temer (PMDB), sob a justificativa, entre outras, de que sua campanha teria recebido recursos desviados da Petrobras.
FONTE///http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160316_lula_nomeacao_ministro_ms_rm
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