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sábado, 18 de janeiro de 2014

ELOGIO DA BARBÁRIE


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    EDEMUNDO DIAS DE OLIVEIRA FILHO
    Delegado de Polícia. Jurista. Pastor Evangélico.
    Secretário de Estado da Justiça
    NOSSO ARTIGO, HOJE, PUBLICADO NA COLUNA OPINIÃO DO JORNAL O POPULAR É, NA VERDADE, UMA PROVOCAÇÃO PARA UMA ANÁLISE SÉRIA SOBRE A GRAVE SITUAÇÃO DA QUESTÃO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL; É UM CHAMAMENTO A UM PACTO NACIONAL PELA PAZ. AFINAL, PAZ É A GENTE QUE FAZ!

    ELOGIO DA BARBÁRIE

    “Mentiras eu não quero, não me turbes, vai-te! Arranca do meu peito as torpes unhas tuas e o corpo vil de cima dos umbrais! Mas disse o corvo: nunca, nunca mais!”. Edgar Allan Poe, em O Corvo

    Erasmo de Rotterdam, no século XVI publicou o seu "Elogio da Loucura" no intuito de evidenciar a hipocrisia de uma sociedade "bem formada" e dita digna do racionalismo iluminista da época; a loucura, então, naquele momento específico, ganha vivacidade, espiritualidade e amparo em contraposição a um modo de vida corrompido e camuflado pelas vestes da normalidade. Nessa mesma esteira, mais recentemente, Chico Buarque trouxe-nos o "Elogio da Traição" que, em tom crítico, atacava o período ditatorial por meio de outra memória: Calabar, um nativo brasileiro que traiu a corte portuguesa em tempos de colonização. A ironia mordaz presente nesses dois textos é tão sutil (e complexa) quanto aos contextos históricos-sociais-culturais criticados... Os autores inverteram as questões em pauta para exibi-las do ângulo oposto, como se o contrário do estabelecido reafirmasse que não há contrariedade rigorosa entre loucura e razão; entre traição e submissão... E, por que não dizer, entre sociedade e barbárie...
    Ora, toda sociedade brasileira espia (pelas telas da TV, antes e depois do Big Brother), em meio à excitação e à náusea, a violência que explode em todos os cantos e recantos desse imenso País. Agora, a pauta preferida é a crise em Pedrinhas, um presídio no Estado do Maranhão, enquanto a elite dominante segue asilada de uma avaliação mais aprofundada dessa crise que é cultural, histórica, estrutural, universal. Não se discute o fundamental, fragmenta-se o todo, não se examinam as causas, as consequências bastam... Ontem Carandiru, depois Urso Branco, hoje Pedrinhas, amanhã será qualquer masmorra que sirva de palco do coliseu contemporâneo.
    Nem a prisão dos mensaleiros — parte da cúpula do poder político da República — foi suficiente para que a questão seja tratada como deve. Não se consegue perceber que a crise nos presídios é apenas um reflexo da crise da Justiça Criminal, que vai desde o momento da prisão, passando pela legislação, e por toda a engrenagem de um ineficiente e predatório sistema penal.
    Com efeito, finge-se não perceber que além do manifesto déficit de vagas nos presídios e escasso número de agentes prisionais, faltam juízes, promotores, defensores públicos, advogados, pedagogos/educação... Falta uma Justiça mais eficaz. Finge-se não perceber que a explosão da população carcerária no Brasil não tem significado uma segurança melhor para o povo, pois a prisão segue o padrão de um sistema excludente e segregacionista, vetor do próprio círculo vicioso da aberração provocada.
    É nesse sentido, entre outros, que se poderia ver a intitulada "barbárie" no presídio maranhense. Pois talvez aquilo seja exatamente a maior representação da nossa charlatanice; tudo aquilo que queremos esconder nos fundos mais sombrios de nossa ignomínia, tudo aquilo que queremos disfarçar sob o nome de uma repulsa social é, na verdade, ferocidade dessa própria sociedade contra ela mesma. Aliás, todo mito de fundação humana é acompanhado pela força, pela violência, pela morte, manifestação última do poder de uma pessoa sobre a outra: de Caim e Abel a Rômulo e Remo; de Alcatraz a Guantánamo; da velha mãe África até a Oceania.
    Aqui, talvez a lúcida loucura de Nietzsche tenha razão quando afirma que quem dá o primeiro direito à violência, é a força... E quanto de sangue ainda será necessário para que aprendamos a viver em paz entre pares? Os marginais marginalizados do Brasil não representam apenas a barbárie, mas, antes, aquilo que o homem faz quando submetido à selvageria da própria comunidade que o julga. Procurar pela distinção entre humanidade e natureza é fugir do problema, pois não há tal distinção. Somos animais, bestas com pudor; e o pudor é criativo: consegue até fingir que a barbárie não lhe diz respeito... Oh! Quanta barbaridade!

    EDEMUNDO DIAS DE OLIVEIRA FILHO
    Delegado de Polícia. Jurista. Pastor Evangélico.
    Secretário de Estado da Justiça

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