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EDEMUNDO DIAS DE OLIVEIRA FILHO
Delegado de Polícia. Jurista. Pastor Evangélico.
Secretário de Estado da Justiça
NOSSO
ARTIGO, HOJE, PUBLICADO NA COLUNA OPINIÃO DO JORNAL O POPULAR É, NA
VERDADE, UMA PROVOCAÇÃO PARA UMA ANÁLISE SÉRIA SOBRE A GRAVE SITUAÇÃO DA
QUESTÃO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL; É UM CHAMAMENTO A UM PACTO NACIONAL
PELA PAZ. AFINAL, PAZ É A GENTE QUE FAZ!
ELOGIO DA BARBÁRIE
“Mentiras eu não quero, não me turbes, vai-te! Arranca do meu peito as
torpes unhas tuas e o corpo vil de cima dos umbrais! Mas disse o corvo:
nunca, nunca mais!”. Edgar Allan Poe, em O Corvo
Erasmo de
Rotterdam, no século XVI publicou o seu "Elogio da Loucura" no intuito
de evidenciar a hipocrisia de uma sociedade "bem formada" e dita digna
do racionalismo iluminista da época; a loucura, então, naquele momento
específico, ganha vivacidade, espiritualidade e amparo em contraposição a
um modo de vida corrompido e camuflado pelas vestes da normalidade.
Nessa mesma esteira, mais recentemente, Chico Buarque trouxe-nos o
"Elogio da Traição" que, em tom crítico, atacava o período ditatorial
por meio de outra memória: Calabar, um nativo brasileiro que traiu a
corte portuguesa em tempos de colonização. A ironia mordaz presente
nesses dois textos é tão sutil (e complexa) quanto aos contextos
históricos-sociais-culturais criticados... Os autores inverteram as
questões em pauta para exibi-las do ângulo oposto, como se o contrário
do estabelecido reafirmasse que não há contrariedade rigorosa entre
loucura e razão; entre traição e submissão... E, por que não dizer,
entre sociedade e barbárie...
Ora, toda sociedade brasileira espia
(pelas telas da TV, antes e depois do Big Brother), em meio à excitação e
à náusea, a violência que explode em todos os cantos e recantos desse
imenso País. Agora, a pauta preferida é a crise em Pedrinhas, um
presídio no Estado do Maranhão, enquanto a elite dominante segue asilada
de uma avaliação mais aprofundada dessa crise que é cultural,
histórica, estrutural, universal. Não se discute o fundamental,
fragmenta-se o todo, não se examinam as causas, as consequências
bastam... Ontem Carandiru, depois Urso Branco, hoje Pedrinhas, amanhã
será qualquer masmorra que sirva de palco do coliseu contemporâneo.
Nem a prisão dos mensaleiros — parte da cúpula do poder político da
República — foi suficiente para que a questão seja tratada como deve.
Não se consegue perceber que a crise nos presídios é apenas um reflexo
da crise da Justiça Criminal, que vai desde o momento da prisão,
passando pela legislação, e por toda a engrenagem de um ineficiente e
predatório sistema penal.
Com efeito, finge-se não perceber que além
do manifesto déficit de vagas nos presídios e escasso número de agentes
prisionais, faltam juízes, promotores, defensores públicos, advogados,
pedagogos/educação... Falta uma Justiça mais eficaz. Finge-se não
perceber que a explosão da população carcerária no Brasil não tem
significado uma segurança melhor para o povo, pois a prisão segue o
padrão de um sistema excludente e segregacionista, vetor do próprio
círculo vicioso da aberração provocada.
É nesse sentido, entre
outros, que se poderia ver a intitulada "barbárie" no presídio
maranhense. Pois talvez aquilo seja exatamente a maior representação da
nossa charlatanice; tudo aquilo que queremos esconder nos fundos mais
sombrios de nossa ignomínia, tudo aquilo que queremos disfarçar sob o
nome de uma repulsa social é, na verdade, ferocidade dessa própria
sociedade contra ela mesma. Aliás, todo mito de fundação humana é
acompanhado pela força, pela violência, pela morte, manifestação última
do poder de uma pessoa sobre a outra: de Caim e Abel a Rômulo e Remo; de
Alcatraz a Guantánamo; da velha mãe África até a Oceania.
Aqui,
talvez a lúcida loucura de Nietzsche tenha razão quando afirma que quem
dá o primeiro direito à violência, é a força... E quanto de sangue ainda
será necessário para que aprendamos a viver em paz entre pares? Os
marginais marginalizados do Brasil não representam apenas a barbárie,
mas, antes, aquilo que o homem faz quando submetido à selvageria da
própria comunidade que o julga. Procurar pela distinção entre humanidade
e natureza é fugir do problema, pois não há tal distinção. Somos
animais, bestas com pudor; e o pudor é criativo: consegue até fingir que
a barbárie não lhe diz respeito... Oh! Quanta barbaridade!
EDEMUNDO DIAS DE OLIVEIRA FILHO
Delegado de Polícia. Jurista. Pastor Evangélico.
Secretário de Estado da Justiça
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