Ex-ministro da Justiça defende protestos nas ruas e diz que Estado ‘é último que pode perder a cabeça’
Márcio Thomaz Bastos cobra treinamento adequado da polícia e critica as prisões arbitrárias
O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos publicou uma carta nesta segunda-feira (17) em que defende a liberdade de expressão, critica as “detenções arbitrárias” de manifestantes e cobra treinamento adequado para os policiais militares.
No título da carta, Thomaz Bastos pede controle à polícia e diz que "o Estado é o último que pode perder a cabeça", uma alusão à violência empregada para dispesar os manifestantes nos últimos dias. O documento também é assinado pelos advogados Luiz Armando Badin e Maíra Beauchamp Salomi.
Thomaz Bastos é advogado do ex-vice-presidente do Banco Rural, de José Roberto Salgado, no julgamento do mensalão. Salgado foi condenado a 16 anos e oito meses de prisão.
O conteúdo da carta traz ainda relembra práticas corriqueiras da ditadura e afirma que “isso não pode voltar a acontecer. No fim do manifesto, Thomaz Bastos ainda diz que “o comportamento arbitrário de alguns policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição”
— É incompatível com o que se espera das forças de segurança.
Leia abaixo a carta na íntegra:
"O Estado é o último que pode perder a cabeça
As autoridades de segurança pública têm a responsabilidade de proteger o exercício do direito constitucional de manifestação pacífica. A sociedade se organiza politicamente em torno do Estado para realizar a Constituição, não para negar os seus pressupostos mais fundamentais. Todos os cidadãos têm a liberdade de se reunir para manifestar politicamente as suas reivindicações (artigo 5º, inciso XVI)1.
Cumprindo o seu dever de informar, a imprensa noticiou amplamente que, nos protestos populares da semana passada, alguns policiais teriam se excedido no uso da força, realizando prisões arbitrárias e agredindo manifestantes e jornalistas que simplesmente exercitavam os seus direitos fundamentais: aqueles de expressar as suas ideias políticas, estes de manter a sociedade informada sobre elas.
Uma conduta só pode ser considerada criminosa se for descrita numa lei (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição). Ninguém pode ser preso se não estiver cometendo um crime (art. 5º, LXI)2. Ao que se saiba, não há nenhuma lei que proíba o “porte de vinagre” e o “uso de máscaras”, sobretudo quando se trata de proteger a própria integridade física.
As autoridades policiais estaduais não podem compactuar com detenções arbitrárias. Devem se ater, exclusivamente, aos casos de excessos individuais. É oportuno recordar que, quando o povo brasileiro saia às ruas para reconquistar o direito de eleger os seus próprios governantes, roubado pela ditadura, alguns manifestantes eram marcados com tinta, para serem “averiguados” e detidos mais adiante. Isso não pode voltar a acontecer.
Bem ao contrário. Hoje, proibido é abusar da violência (art. 129 do Código Penal), por uma razão muito simples. Só a polícia pode empregá-la, desde que de maneira legítima, proporcional e ordenada, isto é, sob o controle das autoridades eleitas para exercer tal responsabilidade.
Caso elas falhem, sempre se pode pedir o amparo do Poder Judiciário, por meio do habeas corpus. Ele existe na Constituição justamente para assegurar a livre circulação dos brasileiros e para protegê-los contra todas as formas de excesso de poder.
Além de tecnicamente cabível, é correta a iniciativa dos estudantes, organizados em torno de seus centros acadêmicos, de impetrar medida judicial para prevenir que novos abusos e violências voltem a acontecer.
É óbvio que o texto da Constituição já assegura ampla proteção aos cidadãos, em novas manifestações pacíficas. Os fatos revelam, contudo, que esses direitos foram recentemente pisoteados. Quando há razões concretas para temer, a Justiça não pode se omitir na contenção da brutalidade.
O comportamento arbitrário de alguns policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição, é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu próprio destino. Delas se espera que estejam preparadas para enfrentar situações de tensão, por meio de treinamento adequado.
O Estado é o último que pode perder a cabeça."
MÁRCIO THOMAZ BASTOS, LUIZ ARMANDO BADIN e MAÍRA BEAUCHAMP SALOMI são advogados que trabalham na cidade de São Paulo
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