A natureza dos compromissos E deveres do militar de polícia
A natureza dos compromissos E deveres do militar de polícia
Cel PM RR Wilson Odirley Valla1
1. INTRODUÇÃO
A estrutura axiológica – cingida por regras e minúcias singulares, que envolvem o exercício da profissão policial-militar – é orientada para a constituição, desenvolvimento e consolidação de valores, dentre outros, de amor à Pátria, do sentimento do dever, do respeito à integridade das pessoas e da moral militar. Por isso, uma análise mais detalhada dessa singularidade constitui fator obrigatório para a perfeita compreensão do status quo dessa categoria especial de servidores do Estado. Esta compreensão plena dos padrões morais que regem a vida castrense possibilita o entendimento da postura ética a ser adotada, diante do espectro de atividades que desenvolve. Assim sendo, a Deontologia Militar ou Policial-Militar contém em si princípios, deveres e compromissos, não apenas de natureza profissional, mas também, aqueles de natureza privada ou particular, estimulando o militar de polícia a conduzir-se de modo exemplar em todas as situações em que se encontrar.
2. OS DEVERES E COMPROMISSOS DE NATUREZA PRIVADA OU PARTICULAR
Constituem transgressões gerais da profissão policial-militar aquelas ofensas aos ditames relativos às atividades de natureza privada que mantêm a ética e a honra pessoal, configuradores do homem honesto ou de boa reputação. Assim, todos os atos devem ser revestidos de moralidade elevada, inclusive aqueles de natureza íntima. A sociedade precisa divisar, além da farda, o exemplo de integridade e não apenas um servidor público fardado. Segundo as anotações do Dr. Volney Ivo Carlin, ao discorrer sobre as obrigações deontológicas de ordem privada inerentes ao juiz e que, seja dito, também se inserem nos deveres e obrigações do militar, manifesta: "Este domínio geralmente escapa aos artigos deontológicos, pois estes proíbem, rigorosamente, tudo o que seja contrário à moral profissional, mas em termos extremamente largos e genéricos". Como se infere, o conjunto de princípios morais que regem as profissões civis, também, apontam preceitos de ordem geral e de natureza restrita, porém limitadas às normas profissionais. Ao contrário, a ordem deontológica que rege a vida castrense, neste particular, além de alcançar aquelas ilicitudes relacionadas à moral profissional, tem eficácia, também, sobre os demais atos que revestem a moralidade privativa do militar, mesmo que não relacionados ao múnus profissional. Em serviço ou fora dele, ativo ou inativo, o militar deve manter elevado padrão de disciplina e dignidade e sua conduta moral deve ser pautada em função dos objetivos da instituição. E, um destes objetivos é a inteireza moral. Por isso, todo o policial-militar, mesmo fora dos limites da órbita funcional, deve zelar por uma conduta irrepreensível, cumprindo com exatidão todos os deveres para com a sociedade. Eis as razões pelas quais atitudes como não se revelar bom cidadão, ou bom pai ou mãe, filho ou filha, esposo ou esposa, ou não satisfazer compromissos financeiros assumidos, ou manter ligações com pessoas de reputação duvidosa, ou, então, pelo simples fato de não se trajar adequadamente, embora genéricas e de natureza restrita, são alcançadas pelo Regulamento Disciplinar ou pelos preceitos que fundamentam os Conselhos de Justificação e de Disciplina.
Em serviço ou fora dele, ativo ou inativo, o militar deve manter elevado padrão de disciplina e dignidade e sua conduta moral deve ser
3. OS DEVERES E COMPROMISSOS DE NATUREZA PROFISSIONAL
Simultaneamente, com aqueles de natureza privada ou particular, os deveres e compromissos de natureza profissional são relativos ao exercício profissional e compreendem um complexo de normas inerentes ao desempenho da profissão, sob os ângulos da conduta a ser seguida para a execução da atividade de polícia ostensiva e o resguardo da investidura militar. Aí, estão inclusos aqueles ditames que objetivam preservar não somente as instituições militares, mas, também, a reputação da classe profissional. Para tanto, é imposto como dever o realce de obrigações e compromissos com o pundonor militar e a própria dedicação ardente com o decoro da classe. Visto desta forma, fica fácil perceber que a ética que se propugna para a atividade profissional, além de preencher as características já analisadas, introduz não apenas aquelas relações do profissional com a Corporação, mas também reforçando o que já foi repetido, do profissional com o cidadão, com a comunidade, com o Estado e, sobretudo, com a Pátria. Deste modo, excluindo por ilação lógica, o exercício de qualquer outra atividade, mesmo que honesta, implica obediência e subordinação à lei, aos regulamentos e às autoridades hierárquicas, quer se tratem de decisões regulamentares, quer dos recursos a serem interpostos. De sorte que, complementada pela proposta analisada no capítulo anterior, manifesta-se afeiçoada ao fortalecimento do Estado de Direito e da própria cidadania, à medida que inclui a proteção dos direitos humanos na sua plenitude, os aspectos éticos exclusivos ao exercício profissional para combater as novas formas de desvios ou finalidades, o respeito ao meio ambiente e o enquadramento apropriado de processos e outros meios coercitivos, em face das peculiaridades do serviço policial moderno, sem olvidar a condição de forças auxiliares e reserva do Exército.
Como coloca em evidência o Dr. Volney Ivo Carlin: "O conjunto destas prescrições é acompanhado geralmente de certas interdições, suscetíveis de, se não observadas, prejudicarem, direta ou indiretamente, o próprio manejo da Instituição". Por isso, devem ser evitados, em razão dos deveres e compromissos específicos, certos comportamentos antideontológicos, a exemplo de recorrer ao Judiciário, sem antes esgotar as instâncias administrativas e respectivos prazos previstos no Estatuto próprio e no Regulamento Disciplinar.
É preciso entender tal atitude antideontológica, embora contestada por muitos, como uma demonstração de recusa de obediência às decisões dos superiores hierárquicos e de deslealdade à própria hierarquia, cuja tutela, atualmente, junto com a disciplina encontram guarida no caput do artigo 42 da Constituição Federal como princípios constitucionais dos mais relevantes e representam nada mais nada menos do que a própria forma de organização da Corporação e da atuação do braço armado do Estado de Direito. Portanto, são mais do que apenas os pilares básicos que sustentam as corporações milicianas. De outra parte, o próprio inciso LV, do artigo 5º da Carta Magna, ao enfatizar: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa", comprometendo-a, ao final do preceito, "com os meios e recursos a ela inerentes". E, em matéria disciplinar, como recursos inerentes à ampla defesa, no âmbito do Direito Administrativo, não se pode descartar as hipóteses de reexame do ato punitivo pelo "pedido de reconsideração de ato" ou pelo "recurso disciplinar". Enquanto ao civil a atitude de recorrer das decisões desfavoráveis na esfera administrativa é facultativa, ao militar é obrigatória, inclusive vinculada ao juramento solene de aceitação e cumprimento dos valores profissionais e deveres éticos, ou seja, "[...] fazendo cumprir rigorosamente as leis e os regulamentos, respeitando e acatando os superiores hierárquicos".
É oportuno lembrar as veementes afirmações do ilustre Magistrado Olindo Menezes, integrante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em voto proferido no recurso de Habeas Corpus nº 91.01.11620-7/DF, julgado por unanimidade, em 16 de setembro de 1991, com vistas à legalidade de punição aplicada a militar que procura agasalho na Justiça sem, antes, observar as restrições contidas no Regulamento Disciplinar. Portanto, já sob a égide da Constituição Federal vigente:
Na vida cada cidadão segue um caminho. Cada caminho seguido tem a sua própria feição. Se o cidadão resolve seguir a vida militar, deve estar ciente de que é uma vida cheia de limitações, cheia de imposições que, no mundo civil, às vezes são até absurdas, mas que no mundo militar, justificam-se pelos princípios de hierarquia e disciplina, que informam a concepção de Forças Armadas, de serviço militar.
Determinar a prisão de um militar porque questionou, em Juízo, um direito à aquisição de um apartamento, à primeira vista parece um absurdo, já que isso, quanto aos civis, é o trivial. Mas o raciocínio não fica autorizado quando se consideram aquelas razões anteriores, a que me referi, informativa da vida militar.
Acho que o Judiciário pode examinar uma punição dessas, mas para ver se ela oculta alguma ilegalidade. Não é vedado o exame. O exame se faz para ver se há ilegalidade.
No caso concordo com a Relatora, de que não há ilegalidade, mas uma indisciplina militar, punida de acordo com o regulamento militar, aplicável a um militar.
Com a mesma inteligência, ao discorrer sobre a relatividade da liberdade e da autonomia do ser humano, ensina Teófilo Bacha Filho, quando diz: "As ações, de um lado, derivam de escolhas e, de outro lado, a situação concreta define os limites dos quais se dão essas escolhas". Traduzindo para o contexto em análise, é essencial para o exercício da liberdade, que o policial tome consciência de sua situação efetiva, decorrente da livre escolha para submeter-se às obrigações inerentes à vida militar. Ao mesmo tempo, o princípio constitucional que ampara o fato da lei não excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, mesmo que se trate dos direitos fundamentais, não é absoluto no sentido de que não comporta limites ao seu conteúdo e pode ceder terreno a outros princípios, entre os quais aqueles que asseguram a funcionalidade das organizações militares, ou seja, valores e aspectos que estão contidos na hierarquia e na disciplina, também conforme já foi expresso acima, bens jurídicos tutelados constitucionalmente e, como tal, projetam-se no domínio do interesse público. Estas tutorias, obviamente, acontecem em razão de que, no ordenamento jurídico-militar, a lei visa, em primeiro lugar, os interesses do Estado e das instituições militares, indispensáveis à manutenção das forças não apenas disciplinadas, sobretudo, controladas, medidas e limitadas. Uma força militar não pode, pela sua potencialidade, converter-se em fator de risco e agressão à sociedade ou ao Estado, mormente, pelo enfraquecimento da disciplina interna. Aliás, é da própria essência constitucional, inclusive no que tange às demais garantias individuais, a supremacia dos interesses do bem comum, aliás, um dos objetivos maiores da República Federativa do Brasil. Ou por outra, estas e outras particularidades das regras deontológicas, às vezes não assimiladas, fazem parte da ética, sobrepondo-se à própria ordem jurídica, circunstância já consagrada pela doutrina.
Fazer emergir esta consciência é um dos papéis fundamentais do comandante ou chefe e, também, deveria ser responsabilidade de governo. Isso não se consegue através de ações irascíveis ou prepotentes. Em contrapartida, compete ao superior hierárquico, com autoridade – sem a contaminação do autoritarismo - decidir com justiça, eqüidade e dentro dos prazos regulamentares os recursos interpostos pelos subordinados e nas condições fixadas na legislação.
Encadeando estes argumentos, é insofismável a lição da Juíza Alice Pezard, citada pelo Dr. Volney Ivo Carlin, ao indagar acerca das regras de comportamento (deontologia) dentro da hierarquia das normas jurídicas. Assim ensina a ilustre magistrada:
Sobre o tema, podemos lançar mão de três perspectivas básicas:
- A ordem deontológica é superior à ordem jurídica: princípios éticos que a lei disciplina;
- A ordem deontológica independe da jurídica preexistente: as normas inscrevem-se de maneira autônoma no direito positivo;
- A ordem deontológica compele mais que a jurídica: há dados sensíveis que precedem a ordem jurídica (salários, desemprego, desestabilização, etc.), os quais orientam o comportamento profissional.
Em outras palavras, particularmente em relação à terceira perspectiva, mesmo que existam regras jurídicas limitadoras em relação a certas atitudes, estas poderão mostrar-se insuficientes em situações extremadas, como por exemplo, a Revolta dos Marinheiros contra a pena de chibata, utilizada no Brasil até 1910, ou as paralisações de policiais-militares diante de condições aviltantes de tratamento, em particular, quanto aos baixos salários.
Inobstante a isso, não há como desconhecer a virtuosidade das normas que circundam a vida militar, cujos reflexos resultam numa filosofia de vida "extravagante", ou seja, fora do comum, ensejando a coexistência de um "mundo paralelo" – erigido com base numa concepção perfeccionista de condutas e reações – com o mundo civil: este, imprevisível, hedonista e permissivo, ou seja, afetado em nome de uma ética relativista em expansão. Para tanto, há imperiosidade de assentar-se um tratamento dessemelhante, suficientemente forte, prudente e responsável, para opor-se aos desvios de conduta praticados por essa classe de cidadãos brasileiros, diferenciada pela grandeza dos deveres.
Ipso facto, aquele que desejar ingressar nas fileiras de uma corporação militar precisa estar muito bem consciente dos respectivos deveres, porquanto, na vida profissional terão que ser exercidos e praticados com responsabilidades que transcendem, em muito, as referências legais ou regulamentares formais. Por isso, ninguém compreenderá – com a mais forte razão – um militar desrespeitando ou deixando de desempenhar seus próprios deveres, incluindo-se os de ordem privada.
Para dar mais intensidade à compreensão do caráter e do dever militar, evoca-se novamente o prestígio do Cel. PM Nelson Fernando Cordeiro, o qual, em resenha noticiosa ao exprimir a relação entre disciplina e ética, dentre outras afirmações, exalta que a ética e a disciplina são temas inseparáveis e presentes ao longo da história das polícias militares, porque sem elas a instituição estaria sempre comprometida e não se teria chegado até os dias atuais. É a disciplina a condição primeira da configuração do caráter do policial-militar e, conseqüentemente, do fortalecimento do conceito moral da Corporação, diante dos demais segmentos sociais. Porquanto, continua em seu dizer:
Não tem dúvida de que nenhuma instituição prospera quando impera a indisciplina; que nenhum ambiente de trabalho é salutar quando a indisciplina predomina e que o homem indisciplinado não prospera em nenhuma instituição. Igualmente, tem a certeza de que o conceito, a credibilidade e a respeitabilidade de que desfruta qualquer instituição devem ser mantidos através de posturas sérias, inteligentes, criativas e éticas, sendo inadmissíveis, no seu exercício profissional, artifícios inescrupulosos e enganosos ou condutas ilícitas ou aéticas.[...] Ressalte-se que a adoção de novas técnicas e o aprendizado de novos conhecimentos tecnológicos não implicam, do ponto de vista moral, ético e disciplinar, no esquecimento do legado que as tradições acumularam aos policiais-militares. O conceito de ‘avanço’ não coexiste com manifestações de indisciplina ou falta de ética profissional, sendo absolutamente intolerável o cometimento de infrações por quem tem o dever legal de preveni-las e reprimi-las. [Sem negrito no original].
A conclusão é óbvia, isto é, eficiência, qualidade e resultados, prioridades das administrações atuais, somente são possíveis em organizações com elevado padrão disciplinar e ético. É forçoso que se passe a compreender, como assimilou o ilustre Comandante-Geral da PMMG, que a disciplina não é, apenas, um aspecto ou exigência singular, mas é, sobretudo, uma instituição em si mesma e, juntamente com a hierarquia militar, transcendem as próprias polícias militares, pois sem aquelas não seria possível terem sobrevivido no passado, nem sobreviveriam hoje, como também, não sobreviverão no futuro como instituições, correndo o risco de perderem até a inquestionável utilidade social.
Por isso, devem ser evitados, em razão dos deveres e compromissos específicos, certos comportamentos antideontológicos, a exemplo de recorrer ao Judiciário, sem
4. AS CONSEQÜÊNCIAS, NO PLANO JURÍDICO, DOS COMPROMISSOS, DEVERES E RESPONSABILIDADES
Os compromissos, deveres e responsabilidades, no plano jurídico, por sua vez, atraem conseqüências especiais. Apesar da teoria do "mínimo ético", desenvolvida por vários autores, entre os quais se destaca Georg Jellinek, que consiste em afirmar que o direito representa apenas o mínimo de moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Na vida castrense, porém, ocorre de forma quase inversa. Assim, no ensejo em que o policial-militar promete, conforme um dos enunciados do compromisso - "regular minha conduta pelos preceitos da moral" - as normas morais, na totalidade, também são municionadas de garantias jurídicas específicas. Por isso, o dever moral, cuja característica é a de ser voluntariamente assumido, havendo ou não imposição legal para o seu cumprimento, transforma-se, a partir daí, em dever jurídico, pela imposição da Lei. Logo, as margens dos dois círculos concêntricos da referida teoria, um da moral e outro do direito, quase se sobrepõem. Ao dizer quase, é porque podem permanecer de fora certos preceitos de caráter ético. Enquanto na vida civil afirma-se não existir regra moral que não implique alguma obediência ou algum respeito; na vida militar, diz-se não existir regra moral que não implique em obediência ou respeito. Tal particularidade sujeita o militar a severas sanções, tanto no campo do Direito como no campo da Moral. Em vista disso, dependendo do grau de ofensa aos valores profissionais e seus correspondentes deveres éticos, a sanção poderá ser disciplinar ou penal, ou ambas e, conforme o caso, moral. Esta, se relacionada com a indignidade ou incompatibilidade, pode o militar sofrer a perda da graduação ou ainda perder a patente, se oficial. Nem a sanção de natureza penal, nem a sanção de natureza disciplinar, isoladamente, poderão dar causa à perda de tal prerrogativa.
Consoante ao que foi dito acima, as repercussões jurídicas não param por aí. Embora a moral reúna um conjunto de normas, aceitas livres e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens, ela é mais limitada e restrita que a ética, pelo fato de restringir-se a determinados períodos, sociedades, grupos e até localidades. Já, a ética procura indicar o melhor caminho do ponto de vista da moral, incluindo princípios realmente valiosos da conduta humana. Por isso, a esfera moral é mais ampla que a do direito e a esfera ética, por sua vez, é mais ampla do que ambas. Desta maneira, as formas ideais de comportamento humano tornam-se coercíveis e obrigatórias na vida militar, em razão de que os preceitos éticos, também, produzem repercussões jurídicas, fazendo parte da legislação ordinária - estatuto, códigos, conselhos especiais e regulamentos - com as respectivas sanções. Assim, por exemplo, na medida em que o próprio Regulamento Disciplinar, em seu artigo 14, define transgressão disciplinar como: "toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe", atrai para o Direito a obrigatoriedade de obediência de todas as normas, não apenas aquelas vinculadas ao múnus profissional ou à moral, esta na forma já referida anteriormente, mas, também, outras que envolvem princípios éticos, aí incluídas aquelas relacionadas às convenções sociais. Por isso, o desrespeito, em público, das convenções sociais é considerado transgressão disciplinar. Com isto, completa-se a sobreposição dos círculos concêntricos, ao contrário do mínimo ético-moral preconizado pela teoria de Jellinek.
Como se vê, na vida castrense exige-se, ao contrário da vida civil, o máximo de princípios ético-morais como obrigatórios. Eis a razão pelas quais, sendo os preceitos da ética mais abrangentes que a própria moral, nem se subordinam às normas codificadas, porém, pelo simples fato de fazerem parte, de forma ampla e generalizada, do próprio Direito, suas conseqüências são sancionadas. Em razão disto, é equivocada a pretensão de alguns oficiais menos prevenidos propugnarem pela instituição de um Código de Ética para os militares, em particular aos militares estaduais, independente de outros dispositivos anteriormente mencionados e, em especial, do Regulamento Disciplinar. Para o militar não há infração moral ou ética que não seja, simultaneamente, falta disciplinar. Dependendo da expressão complexa e acentuadamente anormal da ofensa, tem-se o crime militar, podendo gerar, em alguns casos concretos, a situação de indignidade ou para com o posto ou a graduação.
Não fosse assim, as conseqüências para o descumprimento de normas puramente éticas ou simplesmente morais, por parte dos militares, que não fossem concretamente definidas pelas normas jurídicas, não ultrapassariam as sanções informais de ordem moral, a exemplo da crítica e da manifestação de desagrado da opinião pública ou do grupo geralmente manifestadas sobre certas condutas reprovadas entre os civis.
Em razão disto, é equivocada a pretensão de alguns oficiais menos prevenidos propugnarem pela instituição de um Código de Ética para os militares, em particular aos militares esta
5. CONCLUSÃO
Todas essas particularidades acima evidenciadas, partindo-se de exigências oficiais, conduzem o miliciano não apenas na direção de deveres específicos, como também, na orientação de uma moral e ética próprias. Moral que, por sua vez, corresponde a um padrão de comportamento irrepreensível e orienta as ações – privadas ou profissionais – no sentido da ética, materializada pelas exigências da carreira militar. Carreira essa, extraordinariamente definida como: "A carreira militar não é uma atividade inespecífica e descartável, um simples emprego, uma ocupação, mas um ofício absorvente e exclusivista que nos condiciona e autolimita até o fim. Ela não nos exige as horas de trabalho da lei, mas todas as horas da vida, nos impondo também nossos destinos. A farda não é uma veste, que se despe com facilidade e até com indiferença, mas uma outra pele, que adere à própria alma, irreversivelmente para sempre".
Também, essa profissão, conforme a exteriorização dos compromissos, deveres e responsabilidades e de sua própria definição, além de caracterizada como um verdadeiro sacerdócio, está sustentada em valores e virtudes capazes de arregimentar e impulsionar energias coletivas na direção de atitudes valorativas do homem. Essa clivagem de relações e obrigações – que implica em dever de obediência – faz com que o militar abdique da cidadania plena e de certas prerrogativas comuns às demais pessoas, chegando ao sacrifício da própria vida para defender a honra, integridade, instituições e a Pátria. É preciso compreender bem estes delineamentos deontológicos da vida castrense para poder assimilar, de maneira clara, consciente e responsável, todas as conseqüências desse extraordinário dever profissional. Muitos poderão achar utopia, mas é exatamente assim que deveria ser.
Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Paraná. Instrutor na Academia Policial Militar do Guatupê nas disciplinas de Deontologia Policial-Militar e Doutrina de Emprego de Polícia Militar e Bombeiro Militar.
CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica – Ética e Justiça. Obra Jurídica Editora, Florianópolis: 1997. p. 32.
CARLIN, Volnei Ivo. Ibidem, p. 131.
BACHA FILHO, Teófilo. Jornal O Estado do Paraná. Seção Opinião. Edição de 31-08-99, p. 4.
CARLIN, Volnei Ivo. Ibidem, p. 172.
CORDEIRO, Nelson Fernando, Cel. PMMG. Boletim Geral da Polícia Militar de Minas Gerais – n° 068. Disciplina e Ética na Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte: 07 de abril de 1995. p. 17-22.
O parágrafo 5º, do artigo 1º, da Lei 1943/54, considera subsidiário, ao Código da Polícia Militar do Paraná, o Regulamento Disciplinar do Exército (R4), no momento, vigente pelo Decreto Federal nº 4.346, de 26 de agosto de 2002.
FONTE
Cerimonial Militar do Exército, Vade Mecum nº 10, Capítulo I,
Cel PM RR Wilson Odirley Valla1
1. INTRODUÇÃO
A estrutura axiológica – cingida por regras e minúcias singulares, que envolvem o exercício da profissão policial-militar – é orientada para a constituição, desenvolvimento e consolidação de valores, dentre outros, de amor à Pátria, do sentimento do dever, do respeito à integridade das pessoas e da moral militar. Por isso, uma análise mais detalhada dessa singularidade constitui fator obrigatório para a perfeita compreensão do status quo dessa categoria especial de servidores do Estado. Esta compreensão plena dos padrões morais que regem a vida castrense possibilita o entendimento da postura ética a ser adotada, diante do espectro de atividades que desenvolve. Assim sendo, a Deontologia Militar ou Policial-Militar contém em si princípios, deveres e compromissos, não apenas de natureza profissional, mas também, aqueles de natureza privada ou particular, estimulando o militar de polícia a conduzir-se de modo exemplar em todas as situações em que se encontrar.
2. OS DEVERES E COMPROMISSOS DE NATUREZA PRIVADA OU PARTICULAR
Constituem transgressões gerais da profissão policial-militar aquelas ofensas aos ditames relativos às atividades de natureza privada que mantêm a ética e a honra pessoal, configuradores do homem honesto ou de boa reputação. Assim, todos os atos devem ser revestidos de moralidade elevada, inclusive aqueles de natureza íntima. A sociedade precisa divisar, além da farda, o exemplo de integridade e não apenas um servidor público fardado. Segundo as anotações do Dr. Volney Ivo Carlin, ao discorrer sobre as obrigações deontológicas de ordem privada inerentes ao juiz e que, seja dito, também se inserem nos deveres e obrigações do militar, manifesta: "Este domínio geralmente escapa aos artigos deontológicos, pois estes proíbem, rigorosamente, tudo o que seja contrário à moral profissional, mas em termos extremamente largos e genéricos". Como se infere, o conjunto de princípios morais que regem as profissões civis, também, apontam preceitos de ordem geral e de natureza restrita, porém limitadas às normas profissionais. Ao contrário, a ordem deontológica que rege a vida castrense, neste particular, além de alcançar aquelas ilicitudes relacionadas à moral profissional, tem eficácia, também, sobre os demais atos que revestem a moralidade privativa do militar, mesmo que não relacionados ao múnus profissional. Em serviço ou fora dele, ativo ou inativo, o militar deve manter elevado padrão de disciplina e dignidade e sua conduta moral deve ser pautada em função dos objetivos da instituição. E, um destes objetivos é a inteireza moral. Por isso, todo o policial-militar, mesmo fora dos limites da órbita funcional, deve zelar por uma conduta irrepreensível, cumprindo com exatidão todos os deveres para com a sociedade. Eis as razões pelas quais atitudes como não se revelar bom cidadão, ou bom pai ou mãe, filho ou filha, esposo ou esposa, ou não satisfazer compromissos financeiros assumidos, ou manter ligações com pessoas de reputação duvidosa, ou, então, pelo simples fato de não se trajar adequadamente, embora genéricas e de natureza restrita, são alcançadas pelo Regulamento Disciplinar ou pelos preceitos que fundamentam os Conselhos de Justificação e de Disciplina.
Em serviço ou fora dele, ativo ou inativo, o militar deve manter elevado padrão de disciplina e dignidade e sua conduta moral deve ser
3. OS DEVERES E COMPROMISSOS DE NATUREZA PROFISSIONAL
Simultaneamente, com aqueles de natureza privada ou particular, os deveres e compromissos de natureza profissional são relativos ao exercício profissional e compreendem um complexo de normas inerentes ao desempenho da profissão, sob os ângulos da conduta a ser seguida para a execução da atividade de polícia ostensiva e o resguardo da investidura militar. Aí, estão inclusos aqueles ditames que objetivam preservar não somente as instituições militares, mas, também, a reputação da classe profissional. Para tanto, é imposto como dever o realce de obrigações e compromissos com o pundonor militar e a própria dedicação ardente com o decoro da classe. Visto desta forma, fica fácil perceber que a ética que se propugna para a atividade profissional, além de preencher as características já analisadas, introduz não apenas aquelas relações do profissional com a Corporação, mas também reforçando o que já foi repetido, do profissional com o cidadão, com a comunidade, com o Estado e, sobretudo, com a Pátria. Deste modo, excluindo por ilação lógica, o exercício de qualquer outra atividade, mesmo que honesta, implica obediência e subordinação à lei, aos regulamentos e às autoridades hierárquicas, quer se tratem de decisões regulamentares, quer dos recursos a serem interpostos. De sorte que, complementada pela proposta analisada no capítulo anterior, manifesta-se afeiçoada ao fortalecimento do Estado de Direito e da própria cidadania, à medida que inclui a proteção dos direitos humanos na sua plenitude, os aspectos éticos exclusivos ao exercício profissional para combater as novas formas de desvios ou finalidades, o respeito ao meio ambiente e o enquadramento apropriado de processos e outros meios coercitivos, em face das peculiaridades do serviço policial moderno, sem olvidar a condição de forças auxiliares e reserva do Exército.
Como coloca em evidência o Dr. Volney Ivo Carlin: "O conjunto destas prescrições é acompanhado geralmente de certas interdições, suscetíveis de, se não observadas, prejudicarem, direta ou indiretamente, o próprio manejo da Instituição". Por isso, devem ser evitados, em razão dos deveres e compromissos específicos, certos comportamentos antideontológicos, a exemplo de recorrer ao Judiciário, sem antes esgotar as instâncias administrativas e respectivos prazos previstos no Estatuto próprio e no Regulamento Disciplinar.
É preciso entender tal atitude antideontológica, embora contestada por muitos, como uma demonstração de recusa de obediência às decisões dos superiores hierárquicos e de deslealdade à própria hierarquia, cuja tutela, atualmente, junto com a disciplina encontram guarida no caput do artigo 42 da Constituição Federal como princípios constitucionais dos mais relevantes e representam nada mais nada menos do que a própria forma de organização da Corporação e da atuação do braço armado do Estado de Direito. Portanto, são mais do que apenas os pilares básicos que sustentam as corporações milicianas. De outra parte, o próprio inciso LV, do artigo 5º da Carta Magna, ao enfatizar: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa", comprometendo-a, ao final do preceito, "com os meios e recursos a ela inerentes". E, em matéria disciplinar, como recursos inerentes à ampla defesa, no âmbito do Direito Administrativo, não se pode descartar as hipóteses de reexame do ato punitivo pelo "pedido de reconsideração de ato" ou pelo "recurso disciplinar". Enquanto ao civil a atitude de recorrer das decisões desfavoráveis na esfera administrativa é facultativa, ao militar é obrigatória, inclusive vinculada ao juramento solene de aceitação e cumprimento dos valores profissionais e deveres éticos, ou seja, "[...] fazendo cumprir rigorosamente as leis e os regulamentos, respeitando e acatando os superiores hierárquicos".
É oportuno lembrar as veementes afirmações do ilustre Magistrado Olindo Menezes, integrante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em voto proferido no recurso de Habeas Corpus nº 91.01.11620-7/DF, julgado por unanimidade, em 16 de setembro de 1991, com vistas à legalidade de punição aplicada a militar que procura agasalho na Justiça sem, antes, observar as restrições contidas no Regulamento Disciplinar. Portanto, já sob a égide da Constituição Federal vigente:
Na vida cada cidadão segue um caminho. Cada caminho seguido tem a sua própria feição. Se o cidadão resolve seguir a vida militar, deve estar ciente de que é uma vida cheia de limitações, cheia de imposições que, no mundo civil, às vezes são até absurdas, mas que no mundo militar, justificam-se pelos princípios de hierarquia e disciplina, que informam a concepção de Forças Armadas, de serviço militar.
Determinar a prisão de um militar porque questionou, em Juízo, um direito à aquisição de um apartamento, à primeira vista parece um absurdo, já que isso, quanto aos civis, é o trivial. Mas o raciocínio não fica autorizado quando se consideram aquelas razões anteriores, a que me referi, informativa da vida militar.
Acho que o Judiciário pode examinar uma punição dessas, mas para ver se ela oculta alguma ilegalidade. Não é vedado o exame. O exame se faz para ver se há ilegalidade.
No caso concordo com a Relatora, de que não há ilegalidade, mas uma indisciplina militar, punida de acordo com o regulamento militar, aplicável a um militar.
Com a mesma inteligência, ao discorrer sobre a relatividade da liberdade e da autonomia do ser humano, ensina Teófilo Bacha Filho, quando diz: "As ações, de um lado, derivam de escolhas e, de outro lado, a situação concreta define os limites dos quais se dão essas escolhas". Traduzindo para o contexto em análise, é essencial para o exercício da liberdade, que o policial tome consciência de sua situação efetiva, decorrente da livre escolha para submeter-se às obrigações inerentes à vida militar. Ao mesmo tempo, o princípio constitucional que ampara o fato da lei não excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, mesmo que se trate dos direitos fundamentais, não é absoluto no sentido de que não comporta limites ao seu conteúdo e pode ceder terreno a outros princípios, entre os quais aqueles que asseguram a funcionalidade das organizações militares, ou seja, valores e aspectos que estão contidos na hierarquia e na disciplina, também conforme já foi expresso acima, bens jurídicos tutelados constitucionalmente e, como tal, projetam-se no domínio do interesse público. Estas tutorias, obviamente, acontecem em razão de que, no ordenamento jurídico-militar, a lei visa, em primeiro lugar, os interesses do Estado e das instituições militares, indispensáveis à manutenção das forças não apenas disciplinadas, sobretudo, controladas, medidas e limitadas. Uma força militar não pode, pela sua potencialidade, converter-se em fator de risco e agressão à sociedade ou ao Estado, mormente, pelo enfraquecimento da disciplina interna. Aliás, é da própria essência constitucional, inclusive no que tange às demais garantias individuais, a supremacia dos interesses do bem comum, aliás, um dos objetivos maiores da República Federativa do Brasil. Ou por outra, estas e outras particularidades das regras deontológicas, às vezes não assimiladas, fazem parte da ética, sobrepondo-se à própria ordem jurídica, circunstância já consagrada pela doutrina.
Fazer emergir esta consciência é um dos papéis fundamentais do comandante ou chefe e, também, deveria ser responsabilidade de governo. Isso não se consegue através de ações irascíveis ou prepotentes. Em contrapartida, compete ao superior hierárquico, com autoridade – sem a contaminação do autoritarismo - decidir com justiça, eqüidade e dentro dos prazos regulamentares os recursos interpostos pelos subordinados e nas condições fixadas na legislação.
Encadeando estes argumentos, é insofismável a lição da Juíza Alice Pezard, citada pelo Dr. Volney Ivo Carlin, ao indagar acerca das regras de comportamento (deontologia) dentro da hierarquia das normas jurídicas. Assim ensina a ilustre magistrada:
Sobre o tema, podemos lançar mão de três perspectivas básicas:
- A ordem deontológica é superior à ordem jurídica: princípios éticos que a lei disciplina;
- A ordem deontológica independe da jurídica preexistente: as normas inscrevem-se de maneira autônoma no direito positivo;
- A ordem deontológica compele mais que a jurídica: há dados sensíveis que precedem a ordem jurídica (salários, desemprego, desestabilização, etc.), os quais orientam o comportamento profissional.
Em outras palavras, particularmente em relação à terceira perspectiva, mesmo que existam regras jurídicas limitadoras em relação a certas atitudes, estas poderão mostrar-se insuficientes em situações extremadas, como por exemplo, a Revolta dos Marinheiros contra a pena de chibata, utilizada no Brasil até 1910, ou as paralisações de policiais-militares diante de condições aviltantes de tratamento, em particular, quanto aos baixos salários.
Inobstante a isso, não há como desconhecer a virtuosidade das normas que circundam a vida militar, cujos reflexos resultam numa filosofia de vida "extravagante", ou seja, fora do comum, ensejando a coexistência de um "mundo paralelo" – erigido com base numa concepção perfeccionista de condutas e reações – com o mundo civil: este, imprevisível, hedonista e permissivo, ou seja, afetado em nome de uma ética relativista em expansão. Para tanto, há imperiosidade de assentar-se um tratamento dessemelhante, suficientemente forte, prudente e responsável, para opor-se aos desvios de conduta praticados por essa classe de cidadãos brasileiros, diferenciada pela grandeza dos deveres.
Ipso facto, aquele que desejar ingressar nas fileiras de uma corporação militar precisa estar muito bem consciente dos respectivos deveres, porquanto, na vida profissional terão que ser exercidos e praticados com responsabilidades que transcendem, em muito, as referências legais ou regulamentares formais. Por isso, ninguém compreenderá – com a mais forte razão – um militar desrespeitando ou deixando de desempenhar seus próprios deveres, incluindo-se os de ordem privada.
Para dar mais intensidade à compreensão do caráter e do dever militar, evoca-se novamente o prestígio do Cel. PM Nelson Fernando Cordeiro, o qual, em resenha noticiosa ao exprimir a relação entre disciplina e ética, dentre outras afirmações, exalta que a ética e a disciplina são temas inseparáveis e presentes ao longo da história das polícias militares, porque sem elas a instituição estaria sempre comprometida e não se teria chegado até os dias atuais. É a disciplina a condição primeira da configuração do caráter do policial-militar e, conseqüentemente, do fortalecimento do conceito moral da Corporação, diante dos demais segmentos sociais. Porquanto, continua em seu dizer:
Não tem dúvida de que nenhuma instituição prospera quando impera a indisciplina; que nenhum ambiente de trabalho é salutar quando a indisciplina predomina e que o homem indisciplinado não prospera em nenhuma instituição. Igualmente, tem a certeza de que o conceito, a credibilidade e a respeitabilidade de que desfruta qualquer instituição devem ser mantidos através de posturas sérias, inteligentes, criativas e éticas, sendo inadmissíveis, no seu exercício profissional, artifícios inescrupulosos e enganosos ou condutas ilícitas ou aéticas.[...] Ressalte-se que a adoção de novas técnicas e o aprendizado de novos conhecimentos tecnológicos não implicam, do ponto de vista moral, ético e disciplinar, no esquecimento do legado que as tradições acumularam aos policiais-militares. O conceito de ‘avanço’ não coexiste com manifestações de indisciplina ou falta de ética profissional, sendo absolutamente intolerável o cometimento de infrações por quem tem o dever legal de preveni-las e reprimi-las. [Sem negrito no original].
A conclusão é óbvia, isto é, eficiência, qualidade e resultados, prioridades das administrações atuais, somente são possíveis em organizações com elevado padrão disciplinar e ético. É forçoso que se passe a compreender, como assimilou o ilustre Comandante-Geral da PMMG, que a disciplina não é, apenas, um aspecto ou exigência singular, mas é, sobretudo, uma instituição em si mesma e, juntamente com a hierarquia militar, transcendem as próprias polícias militares, pois sem aquelas não seria possível terem sobrevivido no passado, nem sobreviveriam hoje, como também, não sobreviverão no futuro como instituições, correndo o risco de perderem até a inquestionável utilidade social.
Por isso, devem ser evitados, em razão dos deveres e compromissos específicos, certos comportamentos antideontológicos, a exemplo de recorrer ao Judiciário, sem
4. AS CONSEQÜÊNCIAS, NO PLANO JURÍDICO, DOS COMPROMISSOS, DEVERES E RESPONSABILIDADES
Os compromissos, deveres e responsabilidades, no plano jurídico, por sua vez, atraem conseqüências especiais. Apesar da teoria do "mínimo ético", desenvolvida por vários autores, entre os quais se destaca Georg Jellinek, que consiste em afirmar que o direito representa apenas o mínimo de moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Na vida castrense, porém, ocorre de forma quase inversa. Assim, no ensejo em que o policial-militar promete, conforme um dos enunciados do compromisso - "regular minha conduta pelos preceitos da moral" - as normas morais, na totalidade, também são municionadas de garantias jurídicas específicas. Por isso, o dever moral, cuja característica é a de ser voluntariamente assumido, havendo ou não imposição legal para o seu cumprimento, transforma-se, a partir daí, em dever jurídico, pela imposição da Lei. Logo, as margens dos dois círculos concêntricos da referida teoria, um da moral e outro do direito, quase se sobrepõem. Ao dizer quase, é porque podem permanecer de fora certos preceitos de caráter ético. Enquanto na vida civil afirma-se não existir regra moral que não implique alguma obediência ou algum respeito; na vida militar, diz-se não existir regra moral que não implique em obediência ou respeito. Tal particularidade sujeita o militar a severas sanções, tanto no campo do Direito como no campo da Moral. Em vista disso, dependendo do grau de ofensa aos valores profissionais e seus correspondentes deveres éticos, a sanção poderá ser disciplinar ou penal, ou ambas e, conforme o caso, moral. Esta, se relacionada com a indignidade ou incompatibilidade, pode o militar sofrer a perda da graduação ou ainda perder a patente, se oficial. Nem a sanção de natureza penal, nem a sanção de natureza disciplinar, isoladamente, poderão dar causa à perda de tal prerrogativa.
Consoante ao que foi dito acima, as repercussões jurídicas não param por aí. Embora a moral reúna um conjunto de normas, aceitas livres e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens, ela é mais limitada e restrita que a ética, pelo fato de restringir-se a determinados períodos, sociedades, grupos e até localidades. Já, a ética procura indicar o melhor caminho do ponto de vista da moral, incluindo princípios realmente valiosos da conduta humana. Por isso, a esfera moral é mais ampla que a do direito e a esfera ética, por sua vez, é mais ampla do que ambas. Desta maneira, as formas ideais de comportamento humano tornam-se coercíveis e obrigatórias na vida militar, em razão de que os preceitos éticos, também, produzem repercussões jurídicas, fazendo parte da legislação ordinária - estatuto, códigos, conselhos especiais e regulamentos - com as respectivas sanções. Assim, por exemplo, na medida em que o próprio Regulamento Disciplinar, em seu artigo 14, define transgressão disciplinar como: "toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe", atrai para o Direito a obrigatoriedade de obediência de todas as normas, não apenas aquelas vinculadas ao múnus profissional ou à moral, esta na forma já referida anteriormente, mas, também, outras que envolvem princípios éticos, aí incluídas aquelas relacionadas às convenções sociais. Por isso, o desrespeito, em público, das convenções sociais é considerado transgressão disciplinar. Com isto, completa-se a sobreposição dos círculos concêntricos, ao contrário do mínimo ético-moral preconizado pela teoria de Jellinek.
Como se vê, na vida castrense exige-se, ao contrário da vida civil, o máximo de princípios ético-morais como obrigatórios. Eis a razão pelas quais, sendo os preceitos da ética mais abrangentes que a própria moral, nem se subordinam às normas codificadas, porém, pelo simples fato de fazerem parte, de forma ampla e generalizada, do próprio Direito, suas conseqüências são sancionadas. Em razão disto, é equivocada a pretensão de alguns oficiais menos prevenidos propugnarem pela instituição de um Código de Ética para os militares, em particular aos militares estaduais, independente de outros dispositivos anteriormente mencionados e, em especial, do Regulamento Disciplinar. Para o militar não há infração moral ou ética que não seja, simultaneamente, falta disciplinar. Dependendo da expressão complexa e acentuadamente anormal da ofensa, tem-se o crime militar, podendo gerar, em alguns casos concretos, a situação de indignidade ou para com o posto ou a graduação.
Não fosse assim, as conseqüências para o descumprimento de normas puramente éticas ou simplesmente morais, por parte dos militares, que não fossem concretamente definidas pelas normas jurídicas, não ultrapassariam as sanções informais de ordem moral, a exemplo da crítica e da manifestação de desagrado da opinião pública ou do grupo geralmente manifestadas sobre certas condutas reprovadas entre os civis.
Em razão disto, é equivocada a pretensão de alguns oficiais menos prevenidos propugnarem pela instituição de um Código de Ética para os militares, em particular aos militares esta
5. CONCLUSÃO
Todas essas particularidades acima evidenciadas, partindo-se de exigências oficiais, conduzem o miliciano não apenas na direção de deveres específicos, como também, na orientação de uma moral e ética próprias. Moral que, por sua vez, corresponde a um padrão de comportamento irrepreensível e orienta as ações – privadas ou profissionais – no sentido da ética, materializada pelas exigências da carreira militar. Carreira essa, extraordinariamente definida como: "A carreira militar não é uma atividade inespecífica e descartável, um simples emprego, uma ocupação, mas um ofício absorvente e exclusivista que nos condiciona e autolimita até o fim. Ela não nos exige as horas de trabalho da lei, mas todas as horas da vida, nos impondo também nossos destinos. A farda não é uma veste, que se despe com facilidade e até com indiferença, mas uma outra pele, que adere à própria alma, irreversivelmente para sempre".
Também, essa profissão, conforme a exteriorização dos compromissos, deveres e responsabilidades e de sua própria definição, além de caracterizada como um verdadeiro sacerdócio, está sustentada em valores e virtudes capazes de arregimentar e impulsionar energias coletivas na direção de atitudes valorativas do homem. Essa clivagem de relações e obrigações – que implica em dever de obediência – faz com que o militar abdique da cidadania plena e de certas prerrogativas comuns às demais pessoas, chegando ao sacrifício da própria vida para defender a honra, integridade, instituições e a Pátria. É preciso compreender bem estes delineamentos deontológicos da vida castrense para poder assimilar, de maneira clara, consciente e responsável, todas as conseqüências desse extraordinário dever profissional. Muitos poderão achar utopia, mas é exatamente assim que deveria ser.
Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Paraná. Instrutor na Academia Policial Militar do Guatupê nas disciplinas de Deontologia Policial-Militar e Doutrina de Emprego de Polícia Militar e Bombeiro Militar.
CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica – Ética e Justiça. Obra Jurídica Editora, Florianópolis: 1997. p. 32.
CARLIN, Volnei Ivo. Ibidem, p. 131.
BACHA FILHO, Teófilo. Jornal O Estado do Paraná. Seção Opinião. Edição de 31-08-99, p. 4.
CARLIN, Volnei Ivo. Ibidem, p. 172.
CORDEIRO, Nelson Fernando, Cel. PMMG. Boletim Geral da Polícia Militar de Minas Gerais – n° 068. Disciplina e Ética na Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte: 07 de abril de 1995. p. 17-22.
O parágrafo 5º, do artigo 1º, da Lei 1943/54, considera subsidiário, ao Código da Polícia Militar do Paraná, o Regulamento Disciplinar do Exército (R4), no momento, vigente pelo Decreto Federal nº 4.346, de 26 de agosto de 2002.
FONTE
Cerimonial Militar do Exército, Vade Mecum nº 10, Capítulo I,
Nenhum comentário:
Postar um comentário