VEJAM ESSA: o governo petista do DF construía, clandestinamente, celas especiais para abrigar os mensaleiros em caso de condenação. A Justiça proibiu
Reportagem de Hugo Marques publicada em edição impressa da VEJA
ENTRE A CELA E A SALA
Às vésperas da eventual decretação da prisão dos mensaleiros, a Justiça manda suspender obras em presídio que estava sendo reformado para dar mais conforto aos petistas condenados
É inquestionável que no sistema prisional brasileiro impera, como regra, o sistema de punição extremada adicional.
Um criminoso condenado à pena de privação da liberdade vai ser submetido na penitenciária a uma série de outros castigos.
Ele pode ser estuprado.
Com certeza vai ser achacado por grupos de bandidos que comandam o comércio de drogas e produtos ilegais na cadeia e que vão exigir um pedágio para que os familiares consigam fazer chegar ao preso pacotes com roupas, comida e cartas.
Com raras exceções, o presidiário vai ter de sobreviver em celas superlotadas, em condições desumanas.
Ou seja, adicionalmente à pena de perda da liberdade, ele sofrerá castigos extremos aos quais a Justiça não o condenou. Esse é o destino que espera alguns dos mensaleiros condenados pelo Supremo Tribunal Federal a penas de prisão fechada, caso se confirme a sentença, com a aceitação ou não dos embargos infringentes.
É justo submetê-los ao inferno carcerário brasileiro convencional ou, por se tratar de políticos, banqueiros e empresários, o grupo não deveria cumprir pena no mesmo ambiente onde estão estupradores, assassinos e assaltantes violentos? Essa é a discussão que, certamente, se seguirá ao ato final da eventual condenação dos mensaleiros pelo STF.
Juízes encarregados de fiscalizar os direitos dos presos dizem que não é aceitável colocar os mensaleiros em prisões comuns. Isso equivaleria a expor a vida deles a riscos de morte e agressão violenta. Há consenso entre especialistas em torno dessa questão de que é preciso evitar esse tipo de situação.
Minimizar esses choques, porém, é bem diferente do que se tentou fazer em Brasília, onde o governo [petista] do Distrito Federal mandou construir quatro celas especialmente para receber os mensaleiros condenados. Seriam celas individuais com televisão, cama, chuveiro elétrico e banheiro privativo — uma ala com grau de conforto inaudito em uma penitenciária brasileira.
Era para tudo ser feito na surdina, mas o plano foi descoberto. No ano passado, o governo do DF liberou 3,3 milhões de reais para obras de reforma e ampliação do Centro de Progressão Penitenciária (CPP), instituição do sistema penal para presos que cumprem penas no regime semiaberto, que trabalham durante o dia e dormem na cadeia.
A obra, segundo o edital, tinha como objetivo ampliar as instalações, criando 600 novas vagas. Como se vê no detalhe da foto no começo deste texto, a ampliação começou — simultaneamente a uma discreta reforma no prédio que fica situado na ponta do complexo.
Ali, no pequeno galpão, trabalhavam até dias atrás pouquíssimos operários. Eles já haviam trocado parte do telhado, reduziam o tamanho das janelas, construíam paredes no interior, revestiam o teto com forro de madeira para diminuir o calor e retocavam a pintura pelo lado de fora.
No pequeno estacionamento à frente do prédio, uma pilha de tijolos e um monte de areia denunciavam a obra. Trabalhadores do local confirmaram que o galpão estava sendo transformado em quatro pequenas salas, com banheiro e instalações completas para receber chuveiro elétrico, televisão e até uma pequena geladeira.
Esses detalhes, porém, deveriam ser omitidos do grande público. Há algumas semanas, o secretário de segurança do DF, Sandro Avelar, foi procurado pelo secretário de Governo, Swedenberger Barbosa, que lhe transmitiu um pedido que recebera do “Diretório Nacional do PT”. Os petistas, segundo ele, queriam saber da possibilidade de promover reformas no CPP de modo a receber alguns dos condenados no processo do mensalão, permitindo que eles cumprissem suas penas com segurança e o mínimo de conforto.
Combinou-se então a transformação do pequeno galpão nas salas especiais. Já havia o dinheiro liberado e os operários encarregados do serviço. Não fugiria, em princípio, do escopo da obra: ampliação e reforma do complexo.
“Era um pedido legítimo da direção do partido, preocupada com o futuro dos deputados condenados. Em Brasília, hoje, não existe um lugar seguro para os condenados em regime semiaberto cumprirem suas penas em segurança. Não havia motivos para não atender”, explicou um funcionário do governo de Brasília que acompanhou o processo.
Uma reportagem do jornal Correio Braziliense revelou a existência da parte secreta da obra. Na semana anterior à passada, o Supremo Tribunal Federal concluiu a primeira leva de recursos apresentados pelos condenados do mensalão, os chamados embargos de declaração. Alguns dos réus mais destacados, como o ex-ministro José Dirceu, alimentavam a expectativa de que suas penas pudessem ser reduzidas nessa etapa do julgamento. Ficaram só na esperança, porém.
Se os ministros reduzissem a pena que foi imposta a José Dirceu pelo crime de formação de quadrilha, ocorreria uma mudança drástica no seu futuro: ele poderia trocar o regime fechado pelo semiaberto, e, quem sabe, até cumprir a pena nas salas especiais de Brasília.
O ministro Ricardo Lewandowski, mais uma vez, foi um dos que mais se empenharam para convencer a corte a acolher os argumentos dos mensaleiros. No auge de seu esforço, ele chegou a fazer uma acusação grave contra o próprio tribunal: disse que seus colegas ministros teriam aumentado desproporcionalmente as penas de alguns condenados para forçá-los a cumprir a sentença em regime fechado.
O arroubo foi ignorado pela maioria dos ministros. A admissibilidade dos chamados embargos infringentes, e, em caso de admitidos, o seu acatamento constituem a última tentativa de alguns dos réus de reduzir as penas e escapar da cadeia.
Na quarta-feira, dia 4, repórteres de VEJA voltaram ao CPP. Os tijolos e a areia tinham desaparecido, assim como os operários que trabalhavam no local. Obra ali? Sim, de fato há duas em andamento: a ampliação das instalações e a reforma, mas, segundo os funcionários do complexo, a versão agora é que os operários estão simplesmente fazendo uma adaptação para transformar o velho galpão em um novíssimo paiol.
Ninguém nunca ouviu falar em salas especiais para mensaleiros.
O desmentido, porém, não convenceu totalmente a Justiça. “Nada pode ser feito à minha revelia. Querer inovar, querer criar modelos dentro de um sistema estabelecido por lei é inaceitável. O Estado não é para privilegiar deputados”, advertiu o juiz Ademar Silva de Vasconcelos, titular da Vara de Execuções Penais.
O magistrado informou ao secretário de Segurança Pública que desautorizava qualquer mudança na estrutura do presídio sem sua prévia concordância.
Procurado, Sandro Avelar disse que não podia falar “sobre o que eu nem sei se existe”. Ex-assessor de gabinete do ex-ministro José Dirceu, o petista Swedenberger Barbosa também negou a intervenção em favor dos mensaleiros. “Vou processar quem fizer qualquer tipo de ilação”, mandou dizer através de um assessor.
Por enquanto, a obra do CPP continua, mas só a de ampliação. A construção do albergue clandestino está oficialmente suspensa.
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