Após denúncia de trabalho escravo, Justiça bloqueia R$ 5,4 milhões de comunidade religiosa no Gama, DF
Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia também é investigada por cárcere privado. Advogado da comunidade não atendeu ligações do G1.
Por Letícia Carvalho e Gabriel Luiz, G1 DF
Vista aérea da Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia, no Gama — Foto: Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia/Divulgação
A Justiça do Trabalho determinou o bloqueio de R$ 5,4 milhões das contas de Ana Vindoura Dias Luz e de outras quatro pessoas responsáveis pela sede da Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia, no Gama – região do Distrito Federal. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), autor do pedido, empregados da comunidade religiosa eram "explorados em condições análogas a de escravidão".
O local é o mesmo onde uma jovem de 18 anos foi resgatada, em dezembro do ano passado, depois de ter sido mantida por quatro meses em cárcere privado (relembre abaixo).
Essa quantia deverá ser usada para o pagamento dos trabalhadores. Além de não receberem salário, os funcionários também eram obrigados a pagar a moradia e os alimentos que consumiam, apontou o MPT na ação.
O bloqueio também atingirá os bens de duas empresas ligadas à igreja – Folha de Palmeiras Comércio e Indústria de Alimento e Folha de Palmeiras Produtos Alimentícios. O G1 entrou em contato com o advogado da comunidade, Rolland Carvalho, mas ele não retornou as ligações.
A decisão assinada pela juíza do trabalho Tamara Gil Kemp é cautelar – ou seja, foi tomada em regime de urgência para evitar prejuízos na possível demora para que a Justiça chegue a uma solução final. Cabe recurso.
"Numa primeira análise há nos autos provas das alegações do MPT, no sentir de haver de 200 a 300 trabalhadores submetidos a trabalhos forçados e a condições degradantes", disse a magistrada na decisão.
Além do bloqueio do valor de R$ 5,4 milhões, a decisão prevê também:
decretação da indisponibilidade de todos os veículos registrados, das máquinas de panificação e instrumentos de produção das empresas;
consulta dos bens declarados à Receita Federal nos últimos três anos.
O pedido do MPT foi feito pelas procuradoras Carolina Vieira Mercante e Dinamar Cely Hoffmann. Para elas, a restrição dos bens "é fundamental para garantir a reparação dos danos causados, além de salvaguardar direitos de natureza alimentar".
Ana Vindoura Dias Luz é líder espiritual na Igreja Adventista Remanescentes de Laodiceia — Foto: TV Globo/Reprodução
Mandados de busca e apreensão
O bloqueio dos bens ocorreu uma semana após uma operação conjunta, envolvendo auditores fiscais do trabalho, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Civil, o Conselho Tutelar e a Secretaria de Justiça do DF, que cumpriu mandados de busca e apreensão na sede da Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia.
Os investigadores constataram que a líder da comunidade religiosa, Ana Vindoura Dias Luz, de 64 anos, e outros obreiros "obrigavam as vítimas a trabalharem sem receber qualquer pagamento".
Culto na Igreja Adventista Remanescentes de Laodiceia, no DF, em imagem de arquivo — Foto: Arquivo pessoal
Testemunhas contaram à polícia que os fiéis vendiam pães e livros na cidade e pagavam até R$ 10 por dia para morar no local.
"A justificativa era garantir a entrada dos fiéis no reino dos céus e a salvação de suas almas", indicou o relatório da operação.
Na ocasião, a sede da comunidade foi interditada. Os responsáveis pelo local foram notificados e tiveram de rescindir os contratos de trabalho.
Jovem mantida em cárcere privado
Em dezembro do ano passado, uma jovem de 18 anos foi resgatada por policiais após ter sido mantida por quatro meses em cárcere privado na seita religiosa alvo da decisão da Justiça do Trabalho.
Chácara no Gama, onde fica a Igreja Adventista Remanescentes de Laodiceia — Foto: TV Globo/Reprodução
Segundo o delegado responsável pelo caso, Vander Braga, a vítima era mantida no cativeiro por Ana Vindoura, líder da Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia. Ela dizia que a jovem "estava endemoniada".
"A casa era fechada pela líder espiritual, e tinha grades na janelas. Ela dizia que a menina estava endemoniada, e que precisava estudar a Bíblia."
O caso só foi descoberto porque a própria vítima conseguiu pedir ajuda a amigos. De acordo com as investigações, a jovem pegou o celular da líder da seita – enquanto a mulher dormia – e mandou mensagens de texto a dois ex-membros da comunidade.
A polícia informou que as denúncias contra integrantes da comunidade religiosa começaram a chegar em 2016, mas, por falta de provas, as investigações não foram para frente. Ainda segundo as autoridades, até 300 pessoas foram vítimas da seita.
FONTE G1