Não há levantamentos oficiais sobre quantos são os brasileiros estudando do outro lado da fronteira com o país vizinho, mas tanto os dados gerais do Itamaraty quanto uma pesquisa sobre estes estudantes na Tríplice Fronteira dão a dimensão do fenômeno.
Segundo os registros da Embaixada e dos consulados no Paraguai, em 2016 havia 332.042 brasileiros morando no Paraguai. Já no final de 2017 — data da mais recente apuração —, o número encolheu para 236.170.
A explicação para o aumento significativo em Pedro Juan Caballero talvez esteja em instituições como a Universidad del Pacífico e a Universidad Central del Paraguay, que ganharam notoriedade pelos cursos de medicina.A queda geral contrasta com os números para Pedro Juan Caballero. Divisa com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, a cidade contava com 30 mil brasileiros no ano de 2017 — um salto de 145,9% em relação a 2016, quando o número era de 12.200.
Estudantes de medicina na Tríplice Fronteira
Aparecida Webber, mestre em antropologia pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e especialista em fluxos transfronteiriços, traçou um perfil dos aspirantes a médicos na Tríplice Fronteira, que compreende Foz do Iguaçu, no Paraná, Puerto Iguazu, na Argentina, e Ciudad del Este, no Paraguai.
Em sua pesquisa, Aparecida levantou que há, atualmente, cerca de 18 mil estudantes na região. “Deste número, levantei que 90% são brasileiros”, afirma.
"Eu posso afirmar com certeza que é um fenômeno social perceptível. O número de brasileiros em faculdades de medicina no Paraguai vem crescendo anualmente", diz a pesquisadora. "O grande atrativo é a mensalidade das faculdades paraguaias, que gira em torno do equivalente a R$ 1.000. No Brasil, o valor do curso de medicina sai entre R$ 6.500,00 e 7.000 por mês, em média", diz a especialista.
A pesquisa de Aparecida também mostrou que a grande maioria dos estudantes brasileiros que cursam medicina no Paraguai vem da classe média.
“São pessoas que só têm condições de fazer o curso porque é uma faculdade privada no Paraguai, mas ainda assim precisam desembolsar os R$ 1.000 da mensalidade, além do valor para se manter no país. Uma parte é bancada pelos pais”, relata.
“Há também alunos brasileiros em situação econômica mais vulnerável, que dependem da sua força de trabalho informal para se sustentar. Eles vendem bombons, bolos, fazem camisetas, dão um jeito de ter renda para se manter”, acrescenta Aparecida.
Além do baixo custo, muitas das instituições no país vizinho dispensam vestibular para o ingresso dos estudantes.
Expectativa e realidade
“Com a criação do Mais Médicos, anos atrás, houve um incentivo para os brasileiros buscarem essas alternativas mais baratas e acessíveis no Paraguai, na Bolívia, na Venezuela”, comenta João Carlos Jarochinski, professor de Relações Internacionais na UFRR (Universidade Federal de Roraima).
Mas para os especialistas entrevistados pelo R7, a realidade a ser enfrentada pelos alunos ao retornar ao Brasil no futuro ainda é incerta.
“Não há dados relevantes do retorno. O período de formação para o curso de medicina é de seis anos e muitos desses estudantes ainda não se graduaram. São poucas turmas e é um fenômeno a se acompanhar. Uma parte dos formados tem exercido a medicina no Paraguai, mas há os estudantes devem buscar a revalidação do diploma não só no Brasil como em outros países”, analisa a antropóloga da UFPR.
Jarochinski, da UFRR, reforça que o primeiro obstáculo considerável a se apresentar aos recém-formados em medicina no Paraguai é o Revalida, o sistema de avaliação de médicos formados fora do Brasil que desejam exercer a profissão no país.
“Os índices do Revalida apontam hoje há uma dificuldade de revalidação principalmente dos títulos obtidos nessa região. Às vezes, os formados não conseguem atender às exigências da prova”, pondera.
Obstáculos à validação do diploma
Na opinião do professor, parece existir uma tendência à criação de obstáculos para a validação desses diplomas.
“A comunidade médica, quando cria o Revalida, está consolidando o ensino médico no Brasil e, de certa forma, fazendo uma reserva de mercado. Você limita o número de pessoas que vai ingressar nesse mercado por ano.”
O desafio, por ora, é pensar em um mecanismo de integração desses médicos brasileiros formados no exterior ao mercado nacional.
“Há uma ideia na cultura de ensino da medicina no Brasil de que o nosso ensino é mais apropriado, o nosso grau de exigência é mais adequado. Só que esses novos médicos têm uma competência que pode ser útil dentro do cenário brasileiro. A gente não pode partir de um pressuposto — que me parece que é o que ocorre hoje — de que tudo o que ocorre nessas localidades é de má qualidade”, conclui.
O R7 tentou contato com o CFM (Conselho Federal de Medicina) para comentar a crescente de brasileiros buscando por cursos de medicina no Paraguai, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.