monitores, conselheiros tutelares e pais criticam a falta de projeto pedagógico e de infraestrutura de centros de internação de menores infratores em Goiás. Para eles, as unidades não promovem a ressocialização dos adolescentes, pois estão mais parecidas com “minicadeias”.
quem vai para o 7º Batalhão [onde fica o Centro de Internação Provisória (CIP) em Goiânia] vai sair de lá mais monstro do que já está ou mais psicopata. É um mês ‘pondo pilha’ na sua cabeça”, revela um menor que já esteve internado na unidade.
O Jornal Anhanguera 1ª edição exibe esta semana a série 'Adolescência Fora do Rumo'.
A medida de internação é a maior punição para um adolescente que comete um ato infracional. Ela não pode passar de três anos, sendo que a cada seis meses, o juiz precisa ouvir o menor e avaliar se ele está arrependido, mudou de atitude e, assim, voltar ao convívio social.
Para a reeducação do menor, a legislação exige que os centros de internação ofereçam escola regular, profissionalização, esportes e apoio psicológico. No entanto, isso não consta em quase todas as unidades.
Internada no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Goiânia, uma menor explica que passa a maior parte do tempo vendo TV. “Não tem muitas atividades para a gente executar aqui dentro. Tinha a quadra, mas agora está tendo uma reforma, aí os materiais tão ficando na quadra e gente não tem muita atividade", conta.
Ainda se vê no sistema socioeducativo uma minicadeia"
Promotora de Justiça,Karina D'Abruzzo
Pais de jovens internados lamentam a situação dos filhos. “Eles não estão aí para serem recuperados. Eles estão aí para ficar fora da sociedade”, reclama um pai.
Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude, a promotora de Justiça Karina D'Abruzzo, “alguns deles ainda estão mais próximos do sistema penitenciário do que o de socioeducação”.
“Quando a gente diz que é para inglês ver, é justamente isso. Ainda se vê no sistema socioeducativo uma minipenitenciária, uma minicadeia. Ao ponto de se pensar só em regimento, do que pode e o que não pode fazer, mas não se pensa nessa questão da socioeducação”, defende a promotora.
Exceção
Uma das exceções é o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Formosa, no Entorno do Distrito Federal. Considerada modelo para o estado, a unidade conta com uma escola, projeto pedagógico e alojamento individual.
“Eu entro aqui pensando que eu preciso alcançar o coração do adolescente para que eu possa mudar aqui dentro e ele dar continuidade lá fora enquanto cidadão, vivendo com dignidade”, garante a pedagoga Luzia Bazoti.
Centro de internação conta com escola em Formosa (Foto: Reprodução/ TV Anhanguera)
Juiz da 1ª Vara Cível da Infância e Juventude da Comarca de Formosa, Lucas Siqueira faz questão de cumprir com as determinações do ECA. O magistrado afirma que não autoriza colocar dois adolescentes em cada alojamento, como “insiste” o Grupo Executivo de Apoio a Crianças e Adolescentes (Gecria), da Secretaria da Mulher, Desenvolvimento Social, Igualdade Racial, Direitos Humanos e do Trabalho (Secretaria Cidadã)
“Se você abre exceção, nossa capacidade de 80, vai duplicar para 160 adolescentes com o mesmo quantitativo de servidores. A gente não vai conseguir ter um trabalho de reeducação desses adolescentes”, defende Siqueira.
Falta de vagas
No estado, há dez centros de internação com capacidade para 382 adolescentes, mas abrigam 420. Durante visita da reportagem na CIA de Goiânia, os menores gritam “tá lotado”.
Ficamos de pés e mãos atadas por uma falta de estrutura do governo"
Juíza Stefane Fiúza
Sem local para encaminhar os menores, juízes precisam liberar os que cometeram atos infracionais mais leves ou soltar aqueles que já estão internados e possuem bom comportamento. Em uma audiência em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, a magistrada Stefane Fiúza teve que soltar um menor que foi flagrado roubando.
“Você iria para um centro de internação. Como não tem, infelizmente, o governo do estado não oferece vaga para todos, você vai ter essa única oportunidade de ter liberdade”, disse a juíza para o adolescente durante a audiência no Fórum de Aparecida de Goiânia.
A magistrada reclama da falta de vagas. “Se eu não soltar aquele ali, não tem como eu ter a vaga para colocar outro. Então, a partir daí, ficamos de pés e mãos atadas por uma falta de estrutura do governo do Estado”, critica Fiúza.
Quadra é usada apenas para banho de sol de internos em Goiânia (Foto: Reprodução/ TV Anhanguera)
Construção
Para tentar sanar a falta de vagas e estrutura adequada, o Ministério Público de Goiás acordou com o governo a construção e reforma de oito unidades, em 2012. O prazo estabelecido no termo de ajuste de conduta (TAC) venceu no fim do ano passado e nenhum centro de internação ficou pronto. A obra mais adiantada é da unidade de Anápolis, a 55 km de Goiânia.
A Secretaria Cidadã pediu a prorrogação do prazo estabelecido anteriormente. “Pedimos ao Ministério Público que fizesse uma revisão do nosso pleito, e o Ministério Público tem entendido que nós estamos trabalhando seriamente para que as coisas aconteçam e para que as obras sejam entregues”, defende a secretária Leda Borges.
Obras de centros de internação estão atrasadas
(Foto: Reprodução/ TV Anhanguera)
Uma decisão judicial poderia forçar o governo a cumprir o acordo, mas não é a opção inicial do MP-GO.
“Se você executa dizendo, olha, o Estado não cumpriu o seu papel, juiz, vamos cobrar isso do Estado, vamos bloquear verbas, fixar multas, isso não quer dizer que da noite para o dia vai surgir um centro de internação. De tudo que a gente percebe é essa boa vontade política e a noção de cumprimento da lei no sentido de colocar em prática o que a promotoria determina”, afirma a coordenadora do CAO da Infância e Juventude.
Em nota, a Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) informou que as unidades de Anápolis e São Luís de Montes Belos está em andamento. A previsão é de que as obras nos centros de internação de Rio Verde e Porangatu comecem neste ano. A construção de outros quatro centros está em fase de licitação.
Medidas socioeducativas
Na maioria das vezes, o adolescente que comete um ato infracional não vai para um centro de internação e se torna responsabilidade dos municípios. Ele pode sofrer medidas como advertência, cumprir liberdade assistida, semiliberdade, prestar serviços à comunidade ou ter que reparar algum dano.
Na capital, a Secretaria de Assistência Social acompanha 700 jovens que prestam conta do que fizeram de errado em liberdade. “Eles estão no nosso convívio, mas não significa que ele cometeu algo e não está pagando. Está sim”, disse a coordenadora do Centro de Referencia Especializada em Assistência Social da Região Leste, Rosária Batista Arantes.
Se esse sistema não for completo, é inevitável que ele reincida no mesmo problema"
Defensora pública Fernanda Rodrigues
Uma das instituições que acompanham esses menores é a Associação de Idosos do Meia Ponte. A secretária administrativa do órgão, Sinete de Lima Moraes Fernandes, garante que não há orientação profissional para estes adolescentes. “O Creas sabe que a associação não faz um trabalho de inserção social. Eles [adolescentes] nos auxiliam com atividades do dia-a-dia. Sabem a realidade da associação e continuam mandando”, denuncia.
Presidente da associação, Gilca Aparecida Ferreira acredita que muitos menores se recuperam. "Na nossa unidade nós não temos assistente social, psicóloga, então, nós trabalhamos da maneira nossa, com amor e carinho", afirma.
A Secretaria de Assistência Social afirma que faz o acompanhamento dos menores por meio de ligações paras os coordenadores das associações e da visita mensal de uma equipe técnica.
A Defensoria Pública defende que é preciso mudar o sistema. “Se esse sistema não for completo e perfeito, por exemplo, para providenciar escola, profissionalização, esse adolescente vai continuar integrando todo um sistema caótico que levou ele a entrar nesse sistema de uso de drogas e é inevitável que ele reincida no mesmo problema”, afirma a defensora pública Fernanda Rodrigues.
“A lei não está errada. Nós apenas não conseguimos aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como realmente ele declara, preceitua. Ele preceitua um sistema que funciona e o nosso sistema não funciona”, conclui a promotora de Justiça de Goianira, Carla Brant Roriz.
Menor realiza atividades de faxina em centro de internação em Goiás (Foto: Reprodução/ TV Anhanguera)
fonte G1