O Fantástico rodou mais de quatro mil quilômetros para mostrar as estratégias das quadrilhas que trazem mercadoria ilegal para o Brasil, da descoberta do crime à prisão dos acusados. Tudo foi gravado no Paraná e em Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai. E a polícia? O que está fazendo para combater os bandidos na fronteira?
“Aqui nós podemos ver que já tem algo suspeito dentro desse veículo e chama a atenção”, diz o policial mostrando um caminhão no scanner. São gravações em tempo real. E o resultado é uma radiografia completa do crime nas estradas brasileiras.
As quadrilhas fazem adaptações nos veículos só para o transporte de drogas. No fundo verdadeiro da carroceria, há uma parte falsa. São 40 centímetros de distância entre uma parte e outra, espaço onde estavam escondidos 400 quilos de cocaína.
A apreensão foi possível graças a um novo equipamento importado dos Estados Unidos. Trata-se de um scanner, uma espécie de raio-X parecido com dos aeroportos.
O equipamento da Polícia Rodoviária Federal identifica mercadorias suspeitas dentro de qualquer veículo, inclusive em movimento.
O monitor mostra uma Kombi sendo guinchada. “Se analisarmos aqui, possivelmente seja droga vinda da fronteira”, diz um policial. O policial que controla o raio-X dá o alerta e o veículo é parado. Os policiais desmontam a Kombi para ver se realmente tem droga. A suspeita se confirma e o carregamento é grande: mais de 200 quilos. Tudo escondido em um fundo falso. Encontraram maconha, cocaína, haxixe e, inclusive, armas e muita munição.
O responsável pela droga diz que sofreu um acidente e precisou guinchar o carro. Carlos Alberto do Nascimento, de 48 anos, confessa o crime: “Eu ia ganhar R$ 6 mil, senhor”, diz o motorista. Ele conta que levaria a droga de Amambai, no Mato Grosso do Sul, a Luziânia, em Goiás: um trajeto de quase 1,5 mil quilômetros. Ele alega que tinha dívidas com um traficante: “Devo R$ 600, R$ 700 de saquinho para ele”.
O Fantástico passou um mês na região de fronteira. O equipamento da Polícia Rodoviária Federal que descobre mercadorias suspeitas fica dentro de um veículo que percorre as estradas sem chamar a atenção.
Na BR-163, ainda em Mato Grosso do Sul, outro motorista é parado e mente. Só que o raio-X já tinha revelado vários pacotes escondidos em compartimentos secretos: ao lado do motor, no parachoque traseiro e na lateral do assoalho.
Os policiais começam a desmontar o carro e o motorista percebe que a tentativa de enrolar a polícia não adianta mais. Ele confirma que transporta droga e é preso e autuado em flagrante por tráfico. “Essa estrutura foi montada justamente para o tráfico”, diz um policial. O motorista conta que já pegou o carro preparado para o transporte de drogas em Ponta Porã (MS).
Caio Silva de Andrade, de 22 anos, confessa para onde levaria 72 quilos de pasta base de cocaína: “Eu ia lá para o Rio de Janeiro”.
No ano passado, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu 97 toneladas de drogas em todo o país e 70% dessas apreensões foram em Mato Grosso do Sul e no Paraná.
Veja no vídeo um flagrante em Foz do Iguaçu.
De repente, uma surpresa. Policiais pedem para um caminhão ser parado. Há suspeita de que pessoas viajam na carroceria. É que o raio-X também consegue identificar seres vivos. Debaixo da lona do caminhão, viajavam quatro paraguaios. Eles dizem que era só uma carona, mas a polícia descobre que o grupo saiu de Assunção, capital do Paraguai, e que já tinha rodado quase 500 quilômetros nessas condições.
Em Mato Grosso do Sul, outro caso de transporte ilegal. Pessoas dividem espaço com cavalos. Com o caminhão parado, são descobertos três jovens que viajariam mais de mil quilômetros com a promessa de trabalhar em um haras, no interior de São Paulo.
Eles tiveram que enfrentar um cheiro insuportável. Os adolescentes iam até São Paulo dormindo bem ao lado dos animais. Durante a vistoria no caminhão, os policiais encontraram caixas e mais caixas de anabolizantes. O motorista foi preso por importação de medicamento de procedência desconhecida. A pena pode chegar a 15 anos de cadeia.
Enquanto o Fantástico esteve na fronteira, muito, mas muito contrabando mesmo foi encontrado e de tudo quanto é tipo, como 50 mil calcinhas e sutiãs fabricados na China iam para São Paulo de caminhão.
Um carro estava lotado de controle de videogames. “A gente pega lá no Paraguai, é recondicionado”, diz o rapaz. Ele iria vender os controles na região da Rua 25 de Março, uma área de comércio popular em São Paulo. “A gente vai ganhar, no final das contas, R$ 600. É só eu e minha mãe”, diz o jovem. A mercadoria é apreendida e encaminhada para a Receita Federal.
Também iria para a 25 de Março um grande carregamento de maquiagem e brinquedo. A mercadoria foi dividida entre várias pessoas, que viajavam em pelo menos quatro ônibus, do Mato Grosso do Sul para São Paulo. “Fraciona em vários ônibus porque, se perder, perde pouco e chama menos a atenção. Isso indica que, por trás dessas pessoas, que são os mulinhas, existe um contrabandista maior”, aponta um policial.
No ano passado, a Receita Federal apreendeu R$ 2 bilhões em mercadorias e veículos que entraram ilegalmente no Brasil. Cigarro está entre os principais produtos ilegais vindos do Paraguai. Um caminhão graneleiro, que deveria estar carregado de grãos, levava um carregamento de cigarros. O carro foi apreendido, mas o motorista fugiu.
Outro caminhoneiro, que levava cigarro escondido no meio de uma carga de soja, confessa o quanto ganharia para transportar a mercadoria ilegal: R$ 5 mil.
Pneus novos também são trazidos clandestinamente com frequência. No Paraná, o comum é o chamado "contrabando formiguinha": um pouco de cada vez. “Tem que entregar na borracharia. O cara vai me dar R$ 20”, conta um homem com pneu.
Já em Mato Grosso do Sul, o raio-X encontrou carregamentos maiores. Para não fazer muito volume na carga, contrabandistas colocam um pneu dentro do outro.
No ano passado, a Polícia Rodoviária Federal fez 1.922 prisões por tráfico de drogas; e mais 1.435 por contrabando. Entre os detidos, há juízes e policiais militares e federais.
Durante esta reportagem, dois PMs foram flagrados com contrabando. Nelson Nascimento trabalha em Mato Grosso do Sul e levava R$ 35 mil em equipamentos eletrônicos. Rogério Passos é policial militar em Goiás e também transportava produtos eletrônicos. Ele conta à polícia que é da Secretaria de Segurança Pública e que levava R$ 17 mil de mercadoria. Ao Fantástico, ele não quis falar nada.
Cinco equipamentos de raio-X já estão fiscalizando as estradas brasileiras.
O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo Fernando Salla faz um alerta. “Por si só, eu acho que é uma iniciativa interessante, mas é limitada. Muitas vezes, o mais importante é desenvolver políticas mais amplas que implicam desde acordos com os países vizinhos, controle de contrabando. Não adianta o Brasil desenvolver uma série de mecanismos internos de controle da fronteira se, do outro lado da fronteira, há uma permissividade com as atividades ilegais”, destaca.
O Fantástico procurou o Ministro da Justiça. “Nós temos uma fronteira muito vasta. Dezesseis mil quilômetros de fronteira terrestre é muita coisa e, portanto, somente um trabalho de inteligência pode fazer com que essa fiscalização seja efetiva”, afirma José Eduardo Cardozo.
Perguntamos se os cinco equipamentos de raio-X são suficientes. “Não são suficientes. Essa é a primeira etapa. Nós fizemos uma primeira aquisição, treinamos o nosso pessoal, pretendemos fazer novas aquisições esse ano para Polícia Rodoviária Federal e mais. Estamos estudando a possibilidade de nós doarmos scanners para os estados, porque os estados, especialmente os estados de fronteira, precisam desses equipamentos”, avalia o ministro.
“Esses equipamentos são apenas parte do que se pode fazer pra controlar as áreas de fronteira”, aponta Fernando Salla.