O DELITO DE OPINIÃO E OS TRIBUNAIS DA PM
O que é o “DELITO DE OPINIÃO”?
Delito de opinião, vulgarmente, como viés do pensamento democrático, é atribuir ao verbo, falado ou escrito, um ato digno de punição.
Crime que os códigos não condenam. Crime de impunidade democrática. Crime dos homens livres e das Nações soberanas. (Gregório Lourenço Bezerra-jurista)
UM CRIME IMPOSSÍVEL.
Segundo o magistrado Edison Vicentini Barroso:
Perguntar-se-á, pois, se, numa sociedade efetivamente democrática, se pode admitir o chamado “delito de opinião” (aspas minhas). Mais que isso, cabe a indagação – à luz do art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal (CF), se, à livre manifestação do pensamento, desde que não abusiva, se pode apenar. (...) A censura sem base, que se faça, venha donde vier – e de quem vier –, traz a jaça da subversão de valores e o intuito manifesto de manietar (conquanto na maior parte das vezes velado).
DELITO DE LESA HERMENÊUTICA E DELITO DE OPINIÃO:
“Entre o excesso de linguagem e a postura que vise inibi-lo, há de ficar-se com o primeiro, pois existem meios adequados à correção, inclusive, se necessário”
O ENGANO PROPAGANDEADO QUE MILITAR NÃO PODE SE MANIFESTAR
Apesar da Carta Maior não aceitar opressão por suposto delito opinativo, não é incomum policiais militares sofrerem por se manifestarem. Ao contrário, é comum ler e propagandear que militares não poderiam se manifestar. Tal medo institucionalizado tem aumentado os blogs representativos de instituições militares, sendo 30% de autores anônimos. Apesar dos militares policiais serem tolhidos em sua liberdade de expressão, é comum a população em geral entender que, para os tais, isso é normal. Um engano já elucidado pela jurisprudência. Entretanto há um distanciamento entre os que sofrem constrangimento ilegal calados, e os que provocam as cortes maiores para reivindicar a devida reparação.
Recentemente, por ser moderador de um blog, houve indiciamento de militar por inserir "matéria com críticas indevidas às Resoluções de Governo e do Comando da Corporação", amparando-se nos arts. 155 e 166 do Código Penal Militar:
CÓDIGO PENAL MILITAR: PUBLICAÇÃO OU CRÍTICA INDEVIDA
Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo:
Pena – detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
O Código Penal Militar, homologado em 1969, é conterrâneo do AI-5 em 1968. Restará saber se o Art. 166 do CPM foi recepcionado pela Constituição Federal. A constituição reza que é livre a manifestação do pensamento, contudo certos comandos da PM entendem que a Constituição recepciona tal dispositivo legal ultrapassado.
Reforçando esse entendimento, e agravando-o, o subtenente Alcino de França Ferraz Fogaça foi indiciado, também, por "permitir postagens e manifestação com conteúdo atentatório aos constitucionais princípios da hierarquia militar", criando a figura de um delito que nem sequer está tipificado nesse filho abortado pós-AI-5, o artigo 166 do Código Penal Militar (CPM), o que leva a crer que o subtenente fora indiciado, também, por delito que outro teria cometido. Isto não bastasse, o indiciamento no artigo 155 do Código Penal Militar, quando se refere à material escrito, opinativo, pauta-se na incitação de crime militar, na incitação à indisciplina, o que faz distância de críticas de gestão, ou tratamento com a liberdade de expressão. Se não fosse suficiente, o próprio dispositivo normativo restringe-se a "lugar sujeito à administração militar", logo, nem sequer encontra amparo coibir o verbo de militar em local não administrado por instituições militares.
Art. 155. Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar :
Pena - reclusão, de dois a quatro anos.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem introduz, afixa ou distribui, em lugar sujeito à administração militar, impressos, manuscritos ou material mimeografado, fotocopiado ou gravado, em que se contenha incitamento à prática dos atos previstos no artigo.
A hierarquia não é exclusiva para militares, e não é porque existe a palavra "hierarquia" na Constituição Federal que poder-se-á extrair o entendimento que tal palavra está outorgando poderes de ditador às patentes mais elevadas; nem poder-se-á extrair o entendimento obtuso que será aceito injustiças trabalhistas, constrangimento ilegal ou, por exemplo, ordens ilegais:
Certo é que, seja qual for o nível hierárquico ou o enquadramento funcional que detenha o servidor, não se acha ele rigorosamente, de forma incondicional, submetido ao dever de obediência e comprometido a atender a qualquer ordem que lhe seja endereçada. E isto porque ordem que não se reveste de legalidade ou que enseja dúvidas quanto ao seu conteúdo lícito e legítimo não exige cumprimento e não pode ser imposta a servidor público.
O serviço público de saúde devem "integra[r] uma rede regionalizada e hierarquizada", e por existir "hierarquia", não ficam os servidores do sistema de saúde sujeito a uma submissão inconteste, nem proibidos de se manifestarem. Também no direito do trabalho se conhece o termo "hierarquia". Segundo Nascimento, “a palavra hierarquia significa ordem, graduação, organização segundo uma preferência. Hierarquizar quer dizer pôr em ordem de acordo com um critério.”
Até o ordenamento jurídico se submete a uma hierarquia, e a Norma Fundamental, é superior à Constituição, que é superior ao Decreto Lei 1001/1969 (CPM). Se um militar de menor patente seria digno de punição por desobedecer a hierarquia militar, o militar de maior patente estará sujeito a responder por insubordinação à Carta Maior, correndo o risco de ser punido por delito de constrangimento ilegal.
Referindo-se à decisão do STJ e citando a doutrina, Paulo Roberto de Medeiros conclui:
Não há nenhuma dúvida de que o delito de publicação ou crítica indevida, contido no art. 166 do CPM, carece de constitucionalidade, sendo flagrantemente ilícita negar a liberdade de expressão e de informação a qualquer militar. Pior do que reprimir essa liberdade é reprimi-la com a ameaça da perda da própria liberdade de ir e vir. Não se quer apenas calar, mas também impedir o direito de ir e vir daquele profissional que se sentiu prejudicado por ato de superior ou de governo, não importando se essa manifestação, a princípio, era devida ou indevida. Lembremos que a liberdade de expressão não carece, como visto anteriormente, de ser verdadeira, bastando a simples impressão pessoal de prejuízo para justificar essa capacidade humana. Logicamente que as manifestações ilegais de conteúdo doloso explícito, desonrosas, não impedem que os ofendidos e as autoridades militares e judiciárias competentes adotem as providências necessárias para fazer cessar a conduta. O STF não prestigiou o infrator, mas salvou a liberdade de todos.
Paulo Roberto Medeiros refere-se à jurisprudência extraída do Superior Tribunal de Justiça, em 2004, onde a Corte estabelece que da liberdade de expressão não se exclui os militares, como muitos militares insitem em propagandear.
Processo: RMS 11587 SC 2000/0017515-3
Relator(a): Ministro GILSON DIPP
Julgamento: 16/09/2004
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Publicação: DJ 03/11/2004 p. 206
Ementa
CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - MILITAR - ATIVIDADE CIENTÍFICA - LIBERDADE DE EXPRESSÃO INDEPENDENTE DE CENSURA OU LICENÇA - GARANTIA CONSTITUCIONAL - LEI DE HIERARQUIA INFERIOR - INAFASTABILIDADE - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - TRANSGRESSÃO MILITAR - INEXISTÊNCIA - FALTA DE JUSTA CAUSA - PUNIÇÃO ANULADA - RECURSO PROVIDO.
I – A Constitucional Federal, à luz do princípio da supremacia constitucional, encontra-se no vértice do ordenamento jurídico, e é a Lei Suprema de um País, na qual todas as normas infraconstitucionais buscam o seu fundamento de validade.
II - Da garantia de liberdade de expressão de atividade científica, independente de censura ou licença, constitucionalmente assegurada a todos os brasileiros (art. 5º, IX), não podem ser excluídos os militares em razão de normas aplicáveis especificamente aos membros da Corporação Militar. Regra hierarquicamente inferior não pode restringir onde a Lei Maior não o fez, sob pena de inconstitucionalidade. (negritos não estão no original)
III - Descaracterizada a transgressão disciplinar pela inexistência de violação ao Estatuto e Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, desaparece a justa causa que embasou o processo disciplinar, anulando-se em conseqüência a punição administrativa aplicada.
IV - Recurso conhecido e provido.
Ainda que tenhamos uma Constituição para salvaguardar a liberdade de expressão de qualquer cidadão, a prática tem mostrado uma opressão aos policiais militares de patente mais baixas e muitos tem respondido a inquéritos por delito de opinião; não bastasse uma Constituição que nos resguarda, ainda a tradição militar é inclinada a punir tal prática, e poucas são as reivindicações nas Cortes maiores. Assim, uma declaração expressa em 2010 do Governo Federal, põe fim a qualquer dúvida de tal herança totalitária, e, por portaria, assinadas pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo de Tarso Vannuchi, e pelo Ministro de Estado da Justiça, Luiz Puolo Teles Ferreira Barreto, lavra a redação que Estabelece as Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança Pública, onde no item 3 do Anexo, capítulo do Direitos Constitucionais e Participação Cidadã estabelece:
Assegurar o exercício do direito de opinião e a liberdade de expressão dos profissionais de segurança pública, especialmente por meio da Internet, blogs, sites e fóruns de discussão, à luz da Constituição Federal de 1988.41
APPMARESP/facebook.com/marco.ferreira.37
arte:blog do paulinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário