Defensor do voto impresso, o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro(PSL), disse nesta semana que as eleições 2018 estão "sob suspeição". Líder nas pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro afirma que a urna eletrônica, usada desde 1996 no Brasil, coloca em risco a lisura do processo eleitoral.
"Vamos continuar sob a suspeição da fraude", disse o candidato na segunda-feira (30), no programa Roda Viva, sinalizando que pode questionar o resultado das eleições.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) afirma que a urna eletrônica tem um "conjunto de barreiras que garante a segurança dos mecanismos de votação e apuração".
Mas, afinal, o que a Justiça Eleitoral tem feito nesses mais de 20 anos para garantir a segurança do sistema?
Uma das novidades de 2018 é a auditoria em tempo real de urnas eletrônicas, no dia da eleição, antes do início da votação.
- O teste será feito nos 26 estados e no Distrito Federal, em 144 seções eleitorais (144 urnas), que serão escolhidas aleatoriamente na véspera da votação, por sorteio. A ideia é que o processo seja acompanhado por partidos políticos, imprensa e sociedade civil.
Segundo o TSE, antes do início da votação será possível verificar se os dados da urna batem com os dados inseridos no equipamento no momento em que são lacrados pelo TSE, em setembro. O primeiro turno será no dia 7 de outubro.
Esse procedimento será feito antes da emissão de um relatório (chamado zerésima) que atesta que na urna estão registrados todos os candidatos e que nenhum deles computa voto antes do início da votação.
Ao anunciar a medida, em maio, o presidente do TSE, Luiz Fux, disse que a proposta de auditoria em tempo real chegou a ser colocada como "desafio" pelo setor acadêmico e científico. "Em nome da transparência, legalidade e moralidade, para o tribunal nada é impossível", disse o ministro.
Uma das principais ações do TSE é, porém, mais antiga. Desde 2009, o tribunal realiza o chamado Teste Público de Segurança (TPS). Os testes são abertos a todos os brasileiros maiores de 18 anos, que podem apresentar planos de ataque à urna eletrônica.
Os hackers são chamados ao TSE "com o objetivo de identificar vulnerabilidades e falhas relacionadas à violação da integridade ou do anonimato dos votos de uma eleição, além de apresentar sugestões de melhoria". No tribunal, os investigadores têm acesso, por meio de ações controladas, aos softwares da urna.
Alguns especialistas em computação, no entanto, ainda duvidam da segurança da urna eletrônica.
Um dos maiores críticos ao sistema é Diego de Freitas Aranha, professor doutor que hoje vive na Dinamarca. Defensor do voto impresso em conjunto com o voto eletrônico, Aranha participou das edições de 2012 e 2017 do TPS e apontou vulnerabilidades no sistema.
"Eu coordenei a equipe que venceu os testes de 2012. Nos primeiros 5 minutos de análise, a gente encontrou uma vulnerabilidade que permitia quebrar o sigilo do voto. Também encontramos vulnerabilidades que abriam espaço para manipular os resultados, mas que não puderam ser colocadas em prática por causa das restrições de tempo [do teste]", afirmou Aranha em entrevista à GloboNews, em agosto de 2017.
Ele ainda criticou a "falta de transparência" do processo. "Não conseguimos acompanhar a evolução dessas vulnerabilidades, saber se elas foram corrigidas, porque o processo é blindado para a comunidade técnico-científica."
Giuseppe Janino, secretário de Tecnologia da Informação do TSE, participava do mesmo programa e se apressou a responder que as falhas detectadas naquela ocasião foram "imediatamente corrigidas".
Janino também ressaltou que os testes oferecem diversas "facilidades" aos hackers. "Várias barreiras [ de segurança] são relaxadas para que o técnico possa ir até o ponto que deseja testar e implementar o plano de ataque", afirmou na TV.
Em novembro de 2017, Aranha voltou a participar do TPS e apontou novas falhas no sistema.
"Conseguimos injetar programas para rodar junto com o software de votação e manipular seu funcionamento, por exemplo alterando mensagens na tela do eleitor em tempo de votação", escreveu Aranha no Twitter.
Mais uma vez, porém, faltou tempo à equipe.
"Chegamos muito perto de interferir com a contagem dos votos, sendo capazes de zerar os candidatos de uma cédula antes dos votos serem contabilizados, disparando um erro no sistema. Apesar do dia adicional aprovado pela organização dos testes após solicitação nossa, faltaram 1 ou 2 horas para completar esse último objetivo. Se as condições de trabalho não fossem tão ruins no ambiente de testes, com certeza teríamos conseguido", completou.
Ao HuffPost Brasil, Aranha disse que fica "impressionado que setores da sociedade brasileira considerem a urna eletrônica suficientemente segura".
"Por mais que o TSE insista que as vulnerabilidades tenham sido corrigidas, não é nada razoável encontrar vulnerabilidades cada vez mais graves na medida que testes progridem em um sistema crítico após mais de duas décadas em operação", afirmou o professor, por e-mail.
Voto impresso
Em reforma eleitoral aprovada em 2015, o Congresso Nacional determinou a volta do voto impresso nas eleições. A medida estabelecia a instalação gradual de impressoras nas urnas, a partir de 2018, mas foi derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em junho deste ano. O investimento total previsto para 100% das urnas era de R$ 2 bilhões.
Além do custo elevado, a utilização do voto impresso agregaria ao sistema um novo elemento vulnerável a falhas: a impressora, que é um equipamento eletromecânico. Além disso, o TSE defende que a intervenção humana, que voltaria com o retorno do voto impresso, aumenta a possibilidade de fraude no processo eleitoral.
A mesma opinião tem o procurador regional eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, do Ministério Público Eleitoral em São Paulo.
"Eu sou um defensor aguerrido da urna eletrônica. Já participei como mesário de eleição, quando a apuração era manual. Aquilo era uma festa. Ali a fraude campeava. Então eu acho que a urna eletrônica foi uma grande conquista", disse Gonçalves ao HuffPost Brasil.
Auditoria do PSDB em 2014
Após a derrota de Aécio Neves (PSDB) para a então presidente Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2014, os tucanos contestaram o resultado e pediram autorização ao TSE para realizar uma auditoria.
Um ano depois, em outubro de 2015, o PSDB apresentou relatório afirmando que não havia conseguido provar fraude. De acordo com o partido, o relatório não é conclusivo porque o sistema "não permite a plena auditagem".
"A auditoria constatou, entre outros problemas, que o sistema eletrônico de votação imposto pelo TSE não foi projetado para permitir uma auditoria externa independente e efetiva, já que o modelo de auditoria é comandado pela própria Corte", informou o PSDB na ocasião.
Em entrevista ao HuffPost Brasil, o secretário Janino contestou a observação dos tucanos.
"A auditoria externa é viável, amplamente permitida pela Justiça Eleitoral e passível de conclusões acerca da lisura do pleito", afirmou.
"Além da modalidade de auditoria realizada pelo PSDB em 2014, existem outras etapas previstas no processo eleitoral. É possível acompanhar o desenvolvimento dos sistemas eleitorais, com pleno acesso ao código-fonte. É possível acompanhar e fiscalizar o processo de geração dos aplicativos e seus instaladores. Também pode-se acompanhar todo o processo de preparação das urnas para as eleições, quando é possível verificar que o software instalado nas urnas corresponde àquele auditado anteriormente", completou Janino.